Colunas
Um mundo inundado de medo
Uma homenagem a Zigmunt Bauman falecido em janeiro de 2017
Não se assuste, meu caro colega de magistério, o mundo está inundado de medo e as pessoas brincam com ele. A violência está inserida no próprio brinquedo, nas palavras das músicas funk e nos sites que disseminam a morte, através de pesquisas de ficção para mostrar como se banaliza a morte. Não se pode esperar que uma geração contaminada em seu interior pela derrota, pela exacerbada sensualidade, sem absoluto respeito pelo outro, construa uma cidadania de bom relacionamento, inclusive com os educadores.
“Todo conto moral atua espalhando o medo. Se, contudo, o medo disseminado pelos contos morais de outrora era um medo redentor (aquele que vem com um antídoto: com uma receita para afastar a ameaça que o origina e, portanto, para uma vida livre dele), os “contos morais” de nossa época tendem a ser impiedosos – não promovem nenhum tipo de redenção. Os medos que disseminam são incuráveis e, na verdade, inextirpáveis...” (Bauman).
Zigmunt Bauman expressa muito bem essas situações em medo líquido, cuja ação vai além dos “bichos papões” das histórias do passado, ao estilo “lobo mau, lobo mau, lobo mau, vem pegar a criança pra fazer mingau”.
As crianças que tinham medo do lobo mau e que iam dormir com inúmeros medos para, durante o sono, enquanto os neurônios gravavam na memória de longa duração, aquilo que era fixado, durante o dia, na memória de curta duração, hoje convivem com atrocidades maiores, comandadas pela internet que está à disposição de qualquer internauta com a mínima experiência em navegação.
Basta você entrar no site do Google com a expressão “como você mataria uma pessoa” e, imediatamente inúmeras páginas de brincadeiras de morte surgirão à sua frente. Estamos diante de uma geração que brinca de morrer e está esquecendo de viver. O que isto proporciona? A maior violência para esquecer dos horrores em que estão metidos por causa de suas brincadeiras sem antídoto e sem redenção.
Se, de um lado, o maior medo humano é o medo da morte e passamos a vida numa espécie de esconde-esconde com este temor, de outro, não promovemos a vida, não apreciamos a vida. Entramos, sim, num compasso de agressão contínua, tentando esquecer a morte que nos ronda, fazendo mal aos outros. Nesses casos, não adianta aumentar a carga horária, criar disciplinas novas, organizar centros culturais, se não atacarmos este mal pela raiz e, para tanto, a filosofia e a sociologia ajudam bastante.
Se os professores não transformarem estas disciplinas em campos para disseminar ideologias de seu interesse, provavelmente poderão discutir o ser e o nada, verificando sartreanamente que, onde há a ausência do ser, surge o império do nada e, este nada, faz surgir a violência.
Sim, os estudos de filosofia e sociologia podem ser a grande arma da escola para refletir sobre a vida, os fatos e os valores, procurando salvar o que resta e trazendo para a escola e sociedade uma esperança de poder trabalhar em clima de menor violência.
Tudo está brincando de morte e eliminação, até o Big Brother, nos seus paredões, brinca de eliminar; as pessoas telefonam para eliminar, numa espécie de Coliseu, onde a população posicionando o polegar definia a vida e a morte.
Há, ainda, a banalização da violência, seja no filme que é violento pela natureza da história, seja nos infantis, o Popaye, por exemplo, marcado por pancadarias para defender uma suposta namorada a “Olívia” de um monstro que a ataca.
Se você, caro colega, analisar o espinafre que alimenta o Popaye poderá perceber que a semelhança com as “bombas” repletas de esteróides anabólicos é muito fácil de ser percebida. Estas “bombas” atuam na corrente sanguínea e no sistema nervoso, os esteróides não são assimilados pelo fígado e a pessoa torna-se uma doente com reflexos de maior agressividade.
Tudo deságua na sala de aula. É por isso que nós, professores, necessitamos de estudos de biologia, de saúde pública, de psicologia e de filosofia, para estarmos à altura das exigências dos alunos de hoje.
Aquele que quiser enfrentar a profissão de docente, reunindo conhecimentos específicos da disciplina que leciona e ficar, tão somente, neste patamar, terá sobrevivência muito curta porque o mundo mudou, as pessoas mudaram e a escola não está atentando para as raízes do mal, nem o ataca com sabedoria.
Hamilton Werneck
Hamilton Werneck
Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário