Colunas
Sobre a dinâmica dos conselhos de classe
terça-feira, 24 de março de 2015
Quarenta anos depois da instituição dos conselhos de classe ainda há muita confusão entre professores e setor pedagógico, em escolas isoladas e secretarias de educação, acerca dessa implantação. Reina, ainda, apesar de tantos estudos e propostas, uma mentalidade excludente que visa fazer voltar uma educação tradicional, onde o poder individual do professor em cada disciplina seria praticamente absoluto. Há os que entendem que os conselhos de classe foram criados para promover alunos sem que eles, de fato, saibam sobre os conteúdos planejados.
Voltando à década de setenta, lembro-me de um colégio da cidade do Rio de Janeiro, instalado na Zona Sul da cidade e em bairro tradicional que exibia em seu regimento escolar uma preciosidade capaz de criar uma das mais terríveis polêmicas pedagógicas. No debate, em conselho, o regimento dizia que a palavra do professor da disciplina seria ouvida em primeiro lugar. Em caso de aprovação, os demais professores e pessoas envolvidas na educação daquele ano escolar acompanhariam o voto do professor; caso houvesse um parecer pela reprovação, os demais poderiam acompanhar ou tentar demovê-lo daquele parecer, insistindo na existência, por exemplo, de outros valores relevantes, a favor do educando em questão. Num certo conselho, ao final do ano, o professor de geografia reprovou um pouco mais de sessenta alunos. Ninguém conseguiu demovê-lo da ideia ou mudar os seus pareceres.
A consequência seria uma desestruturação daquele ano escolar com os complicadores de uma escola que não tinha sistema de dependência e muito menos vagas para esses alunos para repetir a série na escola. Neste caso, mais de oitenta por cento dos alunos estavam reprovados somente em geografia. Foi necessário que a direção geral fizesse uma intervenção, mudasse o regimento usando de influência junto ao Conselho Estadual de Educação e refizesse o conselho de classe.
Na realidade aquela escola ainda não havia compreendido o que significava esta mudança em nosso sistema escolar.
Poderíamos ver alguma semelhança entre a abertura política brasileira, sobretudo depois de 1974 e um clima de ares democráticos nos vários fazeres pedagógicos.
Ainda hoje, apesar de muitos avanços, existem setores conservadores que, não aceitando a perda do poder individual do professor, deixam para que os conselhos sejam organizados no momento de sua realização, estando presente a secretaria da escola para fechar as notas ou conceitos ao final do ano letivo. Os conselhos tornam-se intermináveis, muitos precisam ser interrompidos para continuarem no dia seguinte, quando nem todos os professores podem estar presentes por causa dos vários compromissos em escolas diferentes. Daí se depreende que as interrupções que causam mudança no perfil dos conselheiros podem envolver distorções muito graves.
Os conselhos surgiram dentro de um mecanismo de caráter democrático, chegando às escolas inseridas em tipos diferentes de países, uns com regimes mais abertos e, outros, mais fechados. Quanto mais fechado o regime político, maior o impacto deste processo na vida acadêmica.
A ideia primordial foi e é a de que a responsabilidade da condução de todo o processo de planejamento, de avaliação, de acompanhamento, seja de fato um ato colegiado. Na década de oitenta, no Estado do Rio de Janeiro, houve um período em que o aluno só poderia ser desligado compulsoriamente de uma escola com a anuência do conselho de classe. Nesses casos, quem não aceitava seguir o Parecer do Conselho Estadual de Educação era a direção das escolas. Cheguei a conhecer um diretor que proibia a divulgação dos pareceres do Conselho Estadual de Educação sem a permissão dele, escondendo assim, por mais tempo possível, tanto dos alunos como do corpo docente, a legislação educacional em vigor.
Se a autoridade pessoal de alguns diretores era defendida com este tipo de expediente, não é difícil imaginar a reação de alguns professores, até hoje, em relação aos conselhos de classe.
É do sentido maior dessa norma que haja força por parte de um colegiado, que os alunos sejam conhecidos para serem julgados, que ficava derrubada a supremacia de uma disciplina sobre as demais e que vários outros fatores relevantes que alguém apresentasse poderiam servir para uma consideração que facilitasse a aprovação. A esse respeito estão envolvidas as questões de liderança, de esforço, de comunicação e relacionamento humano, de processo de melhoria, de regularidade ou irregularidade num determinado período letivo e das virtudes humanas inerentes à formação de uma pessoa.
Fica evidente que não se tratava mais de abordar os aspectos puramente acadêmicos. Por esta razão, devem participar dos conselhos de classe todos os envolvidos com a educação naquele ano escolar: orientadores, coordenadores, psicólogos, psicopedagogos e todos os professores, mesmo que uma disciplina seja dividida com outros profissionais.
Facilita o trabalho dos conselhos se eles são realizados a cada bimestre, refletindo um acompanhamento por parte da equipe em relação ao desempenho de todos os alunos. Muitas vezes é nesta etapa que são mudados alguns planejamentos ou orientados trabalhos de recuperação. Trata-se de ocasião em que os professores podem tomar conhecimento de valores outros apresentados pelos alunos ou mesmo saber de situações contextuais que possam interferir no aprendizado.
Facilita o trabalho quando a coordenação pedagógica organiza o conselho visando uma melhor condução do mesmo. Isto deve ser feito por escrito e todas as informações distribuídas devem ser recolhidas ao final, pois se trata de assunto reservado ao conselho. Mesmo naqueles onde há a presença de pais dos alunos, os representantes dos pais devem manter o sigilo exigido de todos os demais. O conselho de classe não é público, portanto, não cabe a presença de outras pessoas da escola assistindo ao conselho. Ressalva seja feita se a direção solicitar a presença de alguma pessoa que esteja agindo como consultora, sem direito a voto.
Os votos devem ter o mesmo peso. Nesse sentido não cabe reclamação porque senão estaríamos fora de um contexto democrático e, por fim, todos os presentes são responsáveis pela escola e pela educação.
Numa boa organização — e sei que ela funciona porque a apliquei em inúmeras séries escolares e por dezoito anos — é importante, na ótica do coordenador pedagógico, que haja uma divisão do grupo a ser analisado em três partes: os casos mais fáceis, os mais difíceis e os intermediários que, geralmente, provocam maior debate.
É importante informar sobre o desempenho acadêmico, sobre os fatores relevantes, sobre outras reprovações ou dependências e sobre o contexto, tudo à luz do planejamento global da escola que pode ter, no decorrer dos anos futuros, oportunidade de repor algum conhecimento ainda não assimilado totalmente pelo aluno.
Ao liderar um conselho é importante votar somente quando os debates estiverem esgotados. Mesmo assim, se houver uma situação muito próxima do empate, é importante deixar para analisar o caso ao final porque ao longo de um conselho de classe muito se esclarece.
A humildade de cada docente é esperada porque somente assim chegaremos a um consenso. Este processo permite que vejamos outras opiniões e que a nossa não é hegemônica.
Prof. Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e palestrante

Hamilton Werneck
Hamilton Werneck
Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário