Colunas
Se temos novos alunos, precisamos de valores novos
As portas das escolas estão abertas e novos alunos, com valores bastante diferenciados de seus professores e até dos projetos pedagógicos das escolas, sentam-se nas salas de aula. Como conviver com eles? Primeiro é importante compreendê-los. Eles já são adoolescentes do século 21 e, nós, professores do século passado. Há uma necessidade urgente de compreensão.
O primeiro choque é que nós, nos tempos da escola, aprendemos e aceitamos um tipo de ordem para ler, escrever, falar, separar o que estudaríamos a cada dia. Os professores, por sua vez, tinham uma ordem para ensinar. Os novos alunos são adeptos de uma faceta deste século a “non order”. O que é isso, meu Deus?
Exatamente o que você acabou de ler. Eles começam a ler um livro pela parte final. Se gostaram do fim da história, farão a leitura, se não gostaram, descartam o livro. Por vezes estão lendo do meio para o final e, depois do meio para o princípio. Isto é a “non order”. Pode funcionar? Sim, pode.
Eu fiz a experiência com o romance de Dan Brown, “O Código da Vince”. Com uma leitura aos pedaços, descobri que os capítulos tinham uma sequência que manteria meu suspense até o final. Procurei saltar capítulos, ler em outra ordem. Assim, conheci várias histórias dentro da grande história que, na criatividade de Dan Brown, é capaz de prender qualquer leitor.
Outra questão importante é comparar as nossas vidas com a vida deles. Nós tendemos a ter amizades sólidas, empregos sólidos, fazemos leituras e estudos sólidos. Alguns preferem ter tal solidez quanto à moradia e vivem na mesma casa e bairro há mais de 20 anos. Eles não.
Zigmunt Baumann retrata isso muito bem ao descrever esta cultura líquida que reflete o pensamento de Heráclito da antiga Grécia: “tudo corre, tudo passa, nada permanece”. Os amigos, as escolas e cursos, as ações de todos os tipos são verdadeiramente líquidas.
Parece uma enxurrada durante uma tempestade. As águas tudo atravessam, retiram as pedras dos lugares, passam porque o estado é liquido. Assim, eles querem manter relações líquidas com disciplinas, professores, colegas e escolas. O turn over desses alunos é imenso. Acabam cursando, alguns, uma série em cada escola diferente. Não se preocupam com as relações que, na verdade, não existem, são fluidas, esvaem-se pelas portarias das escolas. O reflexo dessa relação líquida será o não estabelecimento dos grupos de amigos.
Tudo se faz e se desfaz na mesma velocidade, nada permanecendo nas lembranças que deveriam marcar a vida desses alunos.
Outra questão que necessita de compreensão por parte dos professores é a “diáspora líquida” que Massimo Canevacci nos chama a atenção. A criança ou o adolescente diante de uma tela de computador não pestaneja nem lacrimeja. Está absorto! Muitas vezes quando chamados por alguém de casa ou da própria sala de aula, não há resposta. Seria displicência? Claro que não.
Esta diaspora é uma espécie de exílio dentro da tela de cristal liquido. A pessoa ali mergulhada está em “outro mundo”. É preciso, com calma, trazê-lo de volta à realidade concreta da vida, seja na casa onde vive, seja na sala de aula.
Há muito que falar sobre valores novos que vão exigir dos professores compreensão, adaptação e modo diferente de lidar com essas questões, no entanto, a “aporia” esta outra lógica que também Canevacci nos alerta está arraigada na mente das crianças e adolescentes.
Há momentos que falam dentro de uma lógica tão estranha que pode parecer uma pessoa com problemas na área de Brocca ou Wernicke. Mas, nada de estranho está acontecendo. Eles pensam diferente. O problema é que as escolas e o mundo acadêmico não pensam assim e esta criança ou adolescente terá a necessidade de pensar logicamente.
Será uma tarefa especial para os professores, muito além da simples explicação e compreensão por parte da criança. Um fato esclarece esta questão. Um pai levou o filho para ver um prédio que tinha sido implodido. O filho frequentava a pré-escola. Quando o pai mostrou ao filho aquela cena inusitada, recebeu a seguinte resposta: - Pai, não implodiram o prédio, construíram um terreno.
Esta é a outra lógica que marca esta geração. Compreendendo cada aluno, resta a nós, professores, ir buscando pistas e estratégias para trazê-los para uma ordem diferente da que vivem, para uma lógica que tenha princípio, meio e fim e que, afinal, a vida na escola seja algo mais sólido do que as costumeiras reações líquidas que já invadiu cada um deles.
Para maior enriquecimento, recomendo a leitura atenta de dois livros: “Culturas extremas”, de Massimo Canevacci e “Vida líquida” de Zigmunt Baumann.
Hamilton Werneck
Hamilton Werneck
Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.
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