Problemas de ontem, problemas de hoje

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Problemas de ontem, problemas de hoje

Há um modo simplista de agir condenando os alunos de hoje, alegando-se que, no passado, eles eram mais comportados, evoluindo o raciocínio para a tentativa da volta de um sistema disciplinar coercitivo, único capaz, pelo menos para alguns, de por um freio aos desmandos de hoje. Também não é verdade que os professores de antigamente eram melhores que os de hoje. Se no passado existiram bons professores, o mesmo ocorre no presente. Os relapsos do presente encontram vários similares no passado.

Abrindo a cortina das duas afirmações, começarei pela primeira. Um aluno de escola da classe média do Rio de Janeiro, ainda na década de 1950 lançou uma banana no quadro de giz durante uma aula de matemática para testar seu professor que era tido como muito calmo. Este professor abriu um parênteses antes da banana e o fechou depois da marca deixada no quadro, continuou a explicação da equação que teria, como resultado, mais banana ou menos banana. O aluno apresentou-se depois, pediu desculpas e continuou ciente de que este professor era calmo.

Ainda na década de 1960 entrei numa sala de aula onde os alunos acenderam vários “barbantinhos” que exalavam o cheiro de ácido sulfídrico. Uma colega de trabalho quando percebia o odor insuportável negava-se a entrar na sala. Comigo foi diferente: fechei as janelas e portas e ministrei toda a aula. Confesso que naquele horário após o almoço foi difícil manter a refeição no estômago. Nunca mais repetiram a façanha alegando que o professor era imprevisível demais. Deliberaram, então, que se um aluno impregnasse a sala com sulfídrico apanharia na hora do recreio. Não foi preciso perder o bom humor!

Quando um professor nosso, em 1958, sorteou um ponto sem a presença do inspetor e da turma, nós reunimos três colegas, provocamos um apagão no corredor onde estava o professor num enorme prédio de internato e agimos em equipe. Conseguimos saber qual era o ponto sorteado, sendo essa a façanha que me coube por ter boa memória; o apagão foi provocado pelo atual Reitor de importante universidade de uma capital nordestina e quem anotou os pontos com rapidez por saber taquigrafia é, hoje, um economista de renome em Minas Gerais. Como consegui ver os pontos? Muito simples. Diante do apagão fui visitar o professor e oferecer-lhe uma vela acesa. Ele até hoje deve ser grato pelo gesto tão simbólico.

Como se vê o ser humano é o mesmo. Nem é a “bandalha”, nem a repressão que resolverão os problemas disciplinares. O que resolve é o respeito, a presença e o diálogo. Como passarela para a segunda questão apresentada fica o sistema de correção dessa mesma prova de história: distraído, o professor atribuiu quatro pontos para duas questões e três para a terceira questão. Ganhamos mais um ponto, dado que a soma das questões era onze e, não, dez.

Também ontem existiam professores distraídos. Um deles não enxergava de longe sem os óculos. Para ler de perto tinha que tirá-los. Não havia o bifocal ou o multifocal. Feita a pergunta o professor tirava os óculos para conferir a resposta pelo livro. Enquanto isso o aluno argüido lia sem cerimônia a resposta escrita no livro.

Um outro professor que conheci e tive aulas com ele sofria da doença do sono. Só podia ser assim. Iniciada a prova ele colocava óculos escuros para que os alunos não vissem a direção de seu olho policial. Mas, na verdade, ele desejava esconder o piscar de suas pálpebras. Nós aguardávamos o início do sono e, depois, quase todos copiavam o que desejavam. Se isso acontecer hoje, será a época em que vivemos, a culpada, mas tudo isso sempre aconteceu. A questão disciplinar ou de estabelecimento de limites nas relações interpessoais ou de convivência escolar continua dependendo do crescimento de valores ligados ao respeito pelas pessoas. Quanto mais estivermos voltados para a questão do “respeitar” mais colaboraremos com a formação de cidadãos conscientes de seus deveres e direitos.

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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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