Por que algumas crianças querem se matar

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Geralmente a adolescência e a juventude são fases de grandes visões heroicas, de buscas por ideais e metas quase inatingíveis. O que acontece com nossa sociedade para que, no Brasil, já se ostente o suicídio de adolescentes como a segunda causa de morte, no Rio Grande do Sul, e, nos Estados Unidos, a primeira? 
Creio que o primeiro aspecto a ser considerado é que as crianças não brincam mais. Elas compram brinquedos que enchem armários de suas casas. Mais ainda, as crianças não constroem mais seus brinquedos. Quando há alguma indicação de que a criança aos cinco anos poderia pilotar um carro porque maneja bem um kart no parque da cidade, acabou-se a infância. Pais, treinadores, mecânicos, parentes e amigos projetam a vida do futuro campeão. Ele não brinca mais. Ele passa as suas horas de lazer dentro de um kart, correndo e ajustando o veículo. Nos fins de semana viaja com as equipes para competir. Se ganhar, então, surgirão patrocínios, mais treinos e foi-se a infância. Junto com ela, no mesmo ritmo irá a adolescência. Se abordarmos as escolinhas para tenistas, não há lazer, nada é brincadeira e tudo se aproxima da preparação de um suposto futuro campeão. A família prefere ver a criança na quadra por horas a fio com a imagem da taça de Roland Garros na mente que feliz correndo ao encontro das ondas do mar. 
Se a criança está adaptada a uma escola e lá tem amigos, muitas vezes é retirada para ir para outro colégio por causa de vários interesses, até elogiosos.
O que tudo isso causa? O fim da infância! É por isso que as crianças chegam a um ponto que nada mais as satisfaz, a vida torna-se um grande estorvo e um modo de sair dela é, exatamente, acabar com ela. E as crianças sabem muito bem como aprender a acabar com a vida. Basta abrir o Google. Lá encontrarão lições bem explicadas sobre como matar-se com segurança.
Enquanto o ato de brincar tornou-se enfadonho e parte de uma cultura porque a seriedade acadêmica chegou cedo demais à vida dos estudantes, pouco se reflete sobre essas consequências. Muitos subterfúgios são aplicados por escolas sérias para selecionar, numa espécie de “vestibulinho”, as crianças do pré-escolar. 
A sociedade frustra o sonho, mata o sonho. Velhos tempos foram os da Grécia quando a palavra “scolé” significava lugar do sonho e, não, escola, como a temos hoje.
Pior que isto é a instituição escolar treinar “monstrinhos” e esquecer-se de preparar pessoas para viver, sentir a vida, amar a própria vida, dado que o suicídio é a manifestação de total desamor.
Nós, professores ou mantenedores de escolas, sejam elas confessionais ou não, precisamos repensar algumas atitudes, inclusive aquela de querer escolher os alunos que pretendemos educar. Não temos direito a essa escolha. A escolha não é nossa, a escolha é deles. O nosso dever está em apresentar os nossos projetos, os nossos caminhos e eles aceitarão ou não. 
Porém, em qualquer circunstância e dentro da maior seriedade acadêmica, o mais importante é que as crianças vivam as suas fases, sintam-se felizes e tenham o direito a brincar. Se assim não fosse, não seria necessário existir a infância. Mas, como há quem queira o contrário, o resultado está aí, escancarado aos nossos olhos: a morte!

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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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