O programa Bolsa Família e a educação

terça-feira, 22 de julho de 2014

Em ano eleitoral, quase tudo é permitido e confusões são estabelecidas nos embates entre os partidos que disputam o poder. De início, é necessário escapar das disputas partidárias para se saber quem, afinal, foi o "pai da criança” que se apresenta mais bonita que o esperado. Esta invenção não é de partido brasileiro algum. A aplicação do programa, sim. A ideia é oriunda do Banco Mundial e está sendo levada a cabo em cem países.

As características em cada local, segundo o mesmo banco, diferem em vários aspectos. O México, por exemplo, um dos mais antigos a implementar este programa, inicia a colheita dos frutos apresentando embasamento estatístico, o que não é possível ainda em todos os países que aderiram ao programa.

Os mexicanos constatam que depois de vinte anos, aquelas crianças beneficiadas pelo bolsa-família iniciam as atividades no mercado de trabalho em condições muito melhores se comparadas com os iniciantes há duas décadas. De fato, a boa alimentação num momento crucial do desenvolvimento dos neurônios faz grande diferença pela vida afora. Dizem os pedagogos que a melhor fase para se aprender alguma coisa, sobretudo línguas estrangeiras, está entre os dois e oito anos de idade.

Outra consideração feita pelo Banco Mundial é sobre a Turquia. Este programa foi aplicado na região leste do país, onde a população é mais pobre, reunindo convicções religiosas muçulmanas mais radicais. As meninas, por exemplo, quase não frequentavam a escola. Diante de uma das contrapartidas que é a frequência escolar, houve um salto significativo na frequência das meninas à escola, o que, certamente, diminuirá a exclusão delas da vida social turca.

No Brasil, torna-se necessário desfazer dois mitos propalados aos quatro ventos, sem base estatística alguma: o primeiro diz respeito  ao aumento dos filhos entre as famílias que recebem o Bolsa Família. Não é verdade. Em todos os censos, constata-se uma diminuição do índice de fertilidade da mulher, sobretudo nas regiões mais pobres do país. Estamos chegando ao índice de reposição considerado pelos demógrafos como perfeito ou imperfeito. Enquanto a primeira refere-se à reposição com um casal de filhos, a segunda indica a reposição com dois filhos ou duas filhas. Tal fato é de extrema importância porque esta geração só conseguirá sustentar os idosos no futuro se tiver uma boa escolaridade. Teremos mais idosos que a população ativa. O problema que, antes, localizava-se na base da pirâmide da população, passará para o topo. Então, o país precisará cuidar muito bem desta futura geração em relação à sua preparação para o trabalho e participação social. 

Um segundo mito aborda a questão das famílias não desejarem procurar emprego porque recebem a ajuda do governo. A ajuda recebida não é suficiente para que uma família consiga mudar de classe social. Mesmo que os mais velhos estejam acomodados e se contentem com pouquíssimos recursos, as crianças, na medida em que percebem o mundo do consumo à sua volta, são instigadas a buscar algo mais. Aí sim, na busca de mais algum conforto e com escolaridade maior, poderão receber salários maiores e mudar de estamento social. Esta é a razão do programa orientar aos países para não ter uma ajuda que se aproxime do salário mínimo local porque, em muitas partes do mundo, este salário tem duas características: de um lado ele é mínimo e, de outro, é máximo.

A liderança da mulher nesses ambientes de pobreza vem mudando porque ela tem o cartão do benefício em seu nome. A sua autoridade aumenta dentro de casa, justamente naqueles ambientes marcados por um machismo exacerbado. 

E para que não pensemos que este problema é somente do Brasil, sem considerar as complexidades do programa em países africanos, vamos nos deter na Índia. São 600 milhões de miseráveis que chegarão a um ponto crítico que os levará às migrações. Mesmo que a situação geográfica não seja tão favorável às movimentações de grandes massas, se tal fato acontecer, o desequilíbrio social será muito maior. O programa será aplicado a uma população três vezes maior que a brasileira. Tudo isso, na verdade, será muito mais barato que os desequilíbrios advindos de uma movimentação interna e externa da população indiana.

Sem precisar tratar das despesas do programa em relação ao percentual do PIB brasileiro, outra consideração deve ser feita. Procure o leitor desenhar num pedaço de papel uma pirâmide. Em seguida, desenho o mapa do Brasil de cabeça para baixo, dentro desta pirâmide. Os estados que mais recebem o Bolsa Família localizados no norte e nordeste encontram-se na base da pirâmide. As regiões mais bem situadas economicamente localizam-se no meio e no topo da pirâmide e são as que mais produzem alimentos. Se aplicarmos as leis da pirâmide, constataremos algo muito interessante e que deveria ser pensado pelos que criticam este programa. A primeira lei da pirâmide afirma que "tudo favorece à pirâmide”, portanto não serão os mais pobres e favorecidos pelo programa que ganharão dinheiro com ele. A segunda lei afirma que "todo o dinheiro que cai na pirâmide, sobe para o topo”, ou seja para os que produzem alimentos e já estão bem situados nesta pirâmide social. Portanto, as reclamações e críticas não procedem e, pensando bem, não deveriam ser feitas. A terceira lei é mais complexa. Ela afirma que o que acabei de explanar não deveria ser trazido a público e quem o fizer, poderá ser punido pelas estruturas sociais do país. Diante dessa última constatação, nada mais me cabe fazer que, por prudência, encerrar este artigo.


Prof. Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e palestrante

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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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