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O mundo das tecnologias é fantástico
terça-feira, 17 de março de 2015
O espanto do ser humano diante do fogo deve ter sido tão espetacular quanto aquele momento em que começamos a manejar o Windows. Imaginem a mudança do olhar diante da primeira foto colorida surgida em 1861!
Sim, lembro-me bem, estávamos no recreio da escola e nos informaram que naquela tarde do ano de 1961, cem anos depois da revelação da primeira foto colorida, um professor nosso tinha conseguido este mesmo feito. Foi um espanto geral. Daí em diante todos os quadros de formatura apresentavam fotos em cores. O nosso atraso era de cem anos, sorte que não sabíamos e acreditávamos que não fosse tão grande esta diferença.
No século XX éramos analógicos e tudo caminhava devagar. No século XXI, se quisermos manter a validade temos que aderir ao mundo digital, esse mesmo mundo que descobriu em 1986 a copiadora 3D e chegou à fantástica interface entre o computador e a televisão: o telefone celular.
Semanas atrás vi uma foto interessante que compartilhei pelo Facebook. Um professor projetava um texto pelo datashow e disse em tom analógico para que os alunos o copiassem. Mais que depressa todos se levantaram com seus tablets e já estavam compartilhando o texto, permitindo comentários e "curtidas”.
Mas, apesar de todas as ferramentas modernas, este hominídeo, bípede, mamífero, vertebrado continua necessitando do desenvolvimento de suas habilidades macro e micromotoras. Nos primórdios, o Homo sapiens sapiens, este mesmo que Edgar Morin chama de Homo sapiens sapiens demens, levando-se em conta a sua evolução para o mundo digital das conexões, usava a macromotricidade para sobreviver. Atirava pedras, chutava, esmurrava o que encontrava e com um forte tacape matava as caças que encontrava. A sua evolução colocou-o de pé e, a partir daí, a oromotricidade tornou-se necessária para permitir o canto e a fala elaborados. Por fim, este ser atingiu o ápice no desenvolvimento motor, chegou à grafomotricidade e entre os sumérios encontramos a escrita.
Desde que o homem "inventou” o arco e flecha, o fogo e o cachorro, conforme a expressão de Domenico de Masi em seu livro "O Ócio Criativo”, nunca mais deixou de progredir.
Ao lado do progresso continuava o lamento dos descontentes e profetas da desgraça, muito bem retratados por Camões em "Os Lusíadas”, no episódio do Velho do Restelo.
Pois bem, assim nos encontramos, hoje, dentro de uma universidade capaz, entre outras coisas, de ministrar cursos de licenciatura. Deste meio acadêmico sairão professores alfabetizadores e pedagogos capazes de ensinar a alguém como se ensina. Nestes mesmos espaços acadêmicos foram ofertados cursos de psicomotricidade e não há quem acredite num bom professor lotado na educação infantil sem este domínio de conhecimento.
Então, chegamos ao tablet, justo no momento em que estamos digitando mais e escrevendo cada vez menos. Notícias vindas da Alemanha dão conta de que aquele país já aceita a alfabetização através de tablets; Indiana, nos Estados Unidos, há mais de um ano deixa livre ao professor alfabetizar usando tablet ou escrita cursiva.
Há um suspense nas escolas e universidades porque, inegavelmente, a escrita cursiva facilita o domínio da motricidade mais fina e própria somente dos humanos. Para que, diriam alguns, os cursos feitos sobre psicomotricidade, se tudo acabou desaguando na digitação? O que resta, então, à escola fazer?
Se olharmos para o passado recente, encontraremos a escola da década de 50 proibindo o uso da caneta esferográfica e defendendo a caneta tinteiro. Tudo muda com a chegada da Parker 51 e 61. O tinteiro poderia ficar um pouco mais à distância das carteiras. Mas aquela letra que se esculpia até nas páginas sem linhas estava com os dias contados. Venceu a esferográfica, mesmo que ela chegue aos escritórios modernos e de alto padrão com a grife Mont Blanc! Mais adiante as escolas proíbem a calculadora, num gesto parecido com a sociedade ao final do Império Romano, diante dos cálculos com números arábicos. Considerados números demoníacos, eles foram proibidos. Mesmo assim, venceram. Ainda temos os que defendem a tabuada diante de recursos muito mais ágeis. Tabuada não faz pensar, é um processo mecânico para quem não conhece outras tecnologias que, se usadas com frequência, acabarão por fazer qualquer um dominar as quatro operações. Mais importante e, às vezes não se ensina, é a hierarquização das operações: primeiro devemos multiplicar e, somente depois, somar; primeiro devemos dividir e, somente depois, diminuir. Vale dizer que, sabendo-se muito bem uma tabuada pode-se errar o resultado de algo muito simples: qual o resultado de 2+3x5=? Continue a leitura e não se esqueça do resultado que foi obtido. Mais à frente, estará a resposta. A polícia rodoviária proibiu um aparelho que detectava radares, mas foi vencida pelos vários tipos de navegadores disponíveis no mercado.
Agora as Assembleias Legislativas estão votando leis para proibir os celulares em sala de aula. Outro atraso. Quem deve decidir tal coisa é a autoridade do professor. O celular pode ser uma ferramenta excelente, auxiliando a todos e, além disso, os alunos poderiam aprender a usar esta ferramenta em toda a sua extensão. Sabedores do potencial dela, nos dias de avaliação os celulares deveriam ficar fora do alcance dos seus proprietários, com orientação do professor.
Mas, voltemos à alfabetização por tablets. Se os alunos usarem somente tablets para digitar e, não, escrever, embora haja a possibilidade de se escrever diretamente neles, há que se ter o cuidado para não prejudicar a grafomotricidade. Por isso as faculdades devem criar várias possibilidades ao lado dos tablets: manter a escrita cursiva, incrementar o desenho, a pintura, a escultura e o uso de instrumentos musicais, de corda e sopro. Caso contrário, o ser humano perderá, aos poucos, algo que somente é próprio desta espécie.
As ferramentas modernas são excelentes e, se não nos adequarmos a elas certamente continuaremos a responder que o resultado da operação matemática sugerida corresponde a vinte e cinco, quando, na verdade, são dezessete, porque primeiro a gente multiplica e, somente depois, soma.
Prof. Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e palestrante
Hamilton Werneck
Hamilton Werneck
Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
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