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O Mito de Cadmo e a força da palavra
Segundo a mitologia, Cadmo era um rei legendário que introduziu as letras do alfabeto na antiga Grécia. Junto com este ato ele plantou os dentes do dragão por todas as partes onde eram disseminadas as letras e, desses dentes, nasceram homens ferozes, soldados armados e dispostos a lutar.
O mito envolve uma grande transformação: a passagem do poder, antes residindo entre sacerdotes, pitonisas e magos e, agora, com a palavra disseminada, escrito em papiros leves e transportáveis, permitindo a muito que lessem sobre o mundo, a vida e as histórias.
Na verdade a palavra muda o poder. Detentores do poder porque eram únicos a decifrar as escritas pré-alfabéticas, cedem lugar aos soldados armados reunidos em exércitos que derrubam as cidades-estado e fazem surgir os impérios.
As informações e toda a comunicação feita entre exércitos permitem a conquista de novos territórios. Não é sem sentido que a Bíblia coloca na boca do Criador a expressão: no princípio era o Verbo e o Verbo está em Deus e o Verbo era Deus.
De outra parte, já em 1974, quando Roland Barthes assume a cadeira de linguística na Universidade de Paris, afirma em sua aula magna que a palavra tem quase um poder despótico pelo que ela nos obriga a dizer. São séculos percorridos e dominados pela força da palavra.
Em “As Multidões e o Poder” Elias Canetti enfatiza essa relação entre os dentes do dragão e as palavras. As palavras têm essa força capaz de devorar com a precisão dos dentes.
Enquanto no ocidente o alfabeto vem junto com os canos, torneiras e ruas, influenciando nossa civilização a criar bem-estar e conforto, no momento em que exportamos esse mesmo modo de vida para um país como a Índia, os habitantes solicitaram que retirassem os canos e voltassem ao sistema de ir ao poço buscar água. Para eles os canos desmontaram as relações sociais dentro das aldeias e separaram as pessoas tanto quanto o alfabeto separa as palavras.
O poder da palavra, enfim, torna-se maior diante dos hieróglifos e ideogramas porque enquanto estes estão ligados unicamente a uma cultura e civilização, aquele pode, reunindo diversamente as letras e palavras, comunicar o que muitas civilizações pensam e fazem.
É bem provável que, por tudo isso, o mesmo Barthes tenha afirmado em sua “Aula” que haviam tomado a Sorbonne no movimento da Primavera de Paris, não para conquistar o poder, mas sim, para derrubar o poder. Na verdade por mais que a alma do preletor fosse adepta do anarquismo, ele mesmo acabou por ser abocanhado pelo poder ao assumir a cadeira de linguística na mesma universidade, o que prova o poder da palavra.
De fato, por ter um poder especial ela pode disseminar princípios e valores ou destruir conceitos milenares.
Professor Hamilton Werneck
Pedagogo, escritor e palestrante.
www.hamiltonwerneck.com.br
www.hamiltonwerneck.blogspot.com
Hamilton Werneck
Hamilton Werneck
Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.
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