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A integração entre razão e afeto
O que se espera de um profissional para nossos dias é essa capacidade de integração entre a razão e o afeto, para se apresentar à sociedade e ao mundo do trabalho como pessoa equilibrada e adaptada aos tempos. A resistência a esse tipo de integração remonta a tempos históricos muito longínquos e reflete uma questão de separação dos gêneros. Sempre se deu ao homem uma tintura de racionalidade, de dureza no trato com a vida e no enfrentamento direto de problemas. O afeto era relegado a um plano secundário, indicando-se, por vezes, que a emotividade aumenta a subjetividade, atrapalhando a solução de problemas e conflitos.
À mulher cabia afunção afetiva da educação, ficando os castigos para os homens, agora pais, incorporados pelo pátrio poder, que não dividiam com as esposas, mas dele faziam escada para subir e determinar o que se deveria fazer, em relação aos filhos, a partir dessa visão de cima da “escada”. O resultado dessa visão da posição e função do homem e da mulher na sociedade foi o desaguar no delta de um rio segmentado: ora se observava uma reação racional, ora, uma reação afetiva. Praticava-se a dicotomia dentro do próprio ser humano, como se fôssemos pessoas divididas dentro de nós mesmos. Daí a expressão, muito comum, da sabedoria popular: “Quanto aos gêneros, os direitos são iguais, porém as posições são diferentes”.
interessante ressaltar que, em seu livro Eunucos pelo reino de Deus, a teóloga alemã Uta Ranke-Heinemann frisa que essa expressão está relacionada à posição moralmente admitida para as relações sexuais entre os seres humanos na Idade Média, se considerarmos a visão religiosa da Igreja. Preocupados, os teólogos da época, com o controle dos relacionamentos sexuais dentro e fora do casamento, partiram para detalhes que transformariam o ato sexual em algo muito mecânico e mais próximo de uma reflexão racional de celibatários alheios às vivências afetivas.
Como nessas circunstâncias o homem tomava a posição de íncubo (por cima) e a mulher, a posição súcuba (por baixo), para sermos fiéis à expressão da própria Uta Ranke, a sociedade assimilou essa questão de direitos iguais com posições diferentes, partindo já da posição de culminância do ato sexual que, por sua vez, determinava quem estaria por cima e quem estaria por baixo.
Somando-se a questão da racionalidade, que, por analogia, estaria por cima, e a afetividade, que estaria por baixo, não só os papéis do homem e da mulher estavam sendo entendidos de forma separada mas também a razão e o afeto. Se fôssemos buscar um entendimento bíblico para começarmos a reavaliar essa questão, bastaria que tomássemos as expressões ditas aos casais nas cerimônias nupciais de algumas religiões: “(...) serão uma só carne... e, por que não, um só espírito”. Como reflexo de uma união mais profunda entre o afeto e a razão, dá-se lugar a uma integração, em que o pátrio poder pode ceder espaço pela cumplicidade de ambos com a família que se constituiu.
O momento deste início de século e milênio nos faz refletir sobre os valores da integração entre a razão e o afeto, porque o ser humano é um todo homogêneo que viverá cada vez mais integrado, conforme suas ações sinérgicas de parceria conjugal. E como as distorções, do meu ponto de vista, tiveram origem nas concepções do entendimento da sexualidade humana, parto, agora, para mostrar a necessidade dessa integração e insistir para que reflitam sobre isso como meio de recuperarmos a estima do ser humano, que se reflete nos locais de trabalho e no relacionamento social em geral.
Quanto mais integrados forem o afeto e a razão, mais sentiremos e vivenciaremos as questões humanas com uma visão mais aberta, porque o nosso ser não estará partido diante das vicissitudes. Não importa a opção que as pessoas façam em relação ao seu estado e vida: a integração entre a razão e o afeto jamais deixará que este humano dotado da capacidade de rir e de chorar, de planejar e executar, seja prejudicado nas suas decisões vitais.
A abrangência da visão será reforçada pelo relacionamento mais interativo possível, por meio de linguagens do corpo e da alma, em que o gesto reflete o sentir, aliado à palavra que reflete o pensar e o sentir. Assim, ninguém será cúmplice pela metade, porque a cumplicidade envolve o ser como um todo, em uma visão holística de homem e de mundo em transformação, em contínuo aprimoramento relacional e dialógico. A consequência de toda essa dialogicidade e consequente respeito pela pessoa em suas diferenças será a resultante da integração entre razão e afeto, permanente e contínua, geradora das considerações do outro como um ser com direitos e deveres, mas, sobretudo, com o direito de ser, de fazer, de conviver e de sentir.
Hamilton Werneck
Hamilton Werneck
Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.
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