Injeção é com o Chiquinho do Posto de Saúde

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Esta breve história se encaixa perfeitamente num capítulo de um livro sobre avaliação escolar

Antigamente nossos pais não se preocupavam com a idade para trabalhar, sobretudo quando a Constituição permitia o trabalho como aprendiz. O importante era aprender alguma coisa que facilitasse o trabalho futuro. 

Assim, bem cedo, em torno dos nove anos de idade, fui alfabetizado pela segunda vez, agora no alfabeto Morse. Aos dez anos, dava licença para os trens e escrevia telegramas no telégrafo da estação da estrada de ferro. Quando cheguei à idade de poder ingressar na ferrovia, aos dezoito anos, não se usava mais o Morse. Só encontrei-me com ele no escotismo.

Mais um aprendizado foi com o Sr. Chiquinho do Posto de Saúde. Para lá fui mandado pelo meu pai para aprender a aplicar injeção. Imagino hoje se uma criança de dez anos quisesse aprender a aplicar injeções. 

O Sr. Chiquinho foi um professor exemplar e um avaliador excepcional. Começou revendo o que eu sabia (conhecimento prévio), depois passou a me explicar como segurar a seringa. Iniciei o treinamento com o Sr. Chiquinho segurando um travesseiro que recebia as agulhadas. Ele corrigia a postura do corpo, orientava sobre a força a ser aplicada, informava sobre a necessidade de puxar o êmbolo da seringa para ver se havia sangue, o que impediria de imediato a aplicação, por se tratar de local de algum vaso sanguíneo. Assim, aos poucos, foram desenvolvidas habilidades inerentes a esta tarefa.

Quando o chefe do posto daquela vila de interior percebeu que tudo estava aprendido, organizou a prova final para liberar o aluno com uma frase final e decisiva: aprendeu a aplicar injeção.

Cheguei ao posto no dia em que faria a prova anunciada na véspera. Para espanto meu, o Sr. Chiquinho tirou o paletó, levantou a manga da camisa e me disse: "Eu preciso tomar uma injeção e você irá aplicá-la”. 

Preparei a seringa, fiz a desinfecção, quebrei a ampola com um instrumento próprio e apliquei a injeção naquele senhor, que me ensinou com toda a paciência.

Ouvi, então, o resultado do teste: você sabe aplicar injeção, diga isto para seu pai.

Todos ficaram contentes. Uma pessoa da família sabia, agora, aplicar injeção. Na vida não cheguei a aplicar mais de dez injeções. Fiz dois cursos de primeiros-socorros que não me autorizaram a exercer esta função.

Se fosse necessário, numa emergência poderia aplicar injeções ou vacinas. Sei que a lei não permite.

O mais importante é que, em se tratando de ensino e aprendizagem, planejamento e avaliação, o Sr. Chiquinho foi perfeito. Confiava tanto no que acabara de ensinar que ofereceu o próprio braço.

Até hoje tenho certeza de uma coisa: é deste tipo de professor que nós precisamos!


Professor Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e palestrante


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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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