A heterogeneidade

quarta-feira, 04 de julho de 2018

Se o mundo industrial chegou à produção em série e homogeneizou peças e utensílios, os avanços dessa mesma indústria – que usa um robô com possibilidade de manejar tipos diferentes de tintas para pintar qualquer objeto – foram caminhando para a variedade. Vivemos a época em que os produtos são diferentes uns dos outros, incorporando diferenças para atender às exigências dos mercados. Quem está arraigado aos paradigmas da sociedade industrial e da era das máquinas e não evoluiu para a era do conhecimento, ou a era das pessoas, gosta de tudo uniforme, igual, pessoas vestidas do mesmo jeito, florestas com os mesmos tipos de árvore ou carros iguais. Provavelmente pensam que os táxis de Londres e os ônibus de dois andares, vermelhões e antigos são o protótipo da boa organização. Na verdade, os londrinos mantêm esses veículos como uma das marcas registradas da cidade, mas, na indústria inglesa, a variedade de carros e ônibus é muito grande. Eles sabem conjugar tradição e modernidade. Aqui vale uma consideração sobre a questão de conservadores e progressistas. Na verdade, o conservador assim pode ser porque tem alguma coisa a conservar e que vale a pena conservar; o progressista, por sua vez, pode progredir e manter o que é bom de um passado recente ou remoto, ou seja, nem um é escravo do conservadorismo nem o outro do progressismo: ambos estão a seu serviço.

Vivemos na era das pessoas, e as pessoas, graças ao código genético, são heterogêneas. Seria uma catástrofe, certamente, se todos tivéssemos olhos de uma só cor, cabelos iguais e semblantes iguais. O bom da vida está na diferença, nesse emaranhado de pessoas com capacidade de transmitir heranças genéticas diferentes. Por isso, o mundo de hoje, no meu ponto de vista, vive uma grande contradição: a tecnologia que levou os seres humanos à era das pessoas e permite a fabricação de produtos individualizados também chegou à clonagem, e essa, por sua vez, representa uma uniformização de seres, com a perda da criatividade gerada pela heterogeneidade.

O profissional do mundo atual precisa incorporar esse valor que prioriza as diferenças. Uma sociedade voltada para as pessoas deverá cuidar das diferenças individuais. É interessante recordar, por exemplo, que, na década de 70, quando a legislação de ensino no Brasil falava de diferenças individuais – dentro de uma concepção tecnicista da reforma provocada pela lei 5.692/71, acabou recebendo críticas muito fortes de educadores tradicionais que sequer se curvavam ao conservadorismo tecnicista que já poderia ser considerado atrasado para um Brasil daquela década.

Portanto, não causa estranheza o fato de existirem pessoas que não aceitam a heterogeneidade. Uma prática ainda comum nas escolas é a exigência de uniforme para os alunos. Em alguns estados brasileiros, o uniforme é chamado de “farda” escolar. Ele é útil para as populações pobres e que não têm roupa, mas, para os de uma classe social em que roupa não é problema, a permanência do uniforme está estribada na homogeneidade, nas mentalidades típicas da era das máquinas e que não percebe a despersonalização que um uniforme carrega em si mesmo. 
Se uma indústria, um banco ou uma escola deseja manter um controle sobre a roupa, poderia ter um pouco de criatividade, variando as cores das camisetas, por exemplo. Em alguns lugares, no entanto, como nos consultórios, usa-se a cor branca porque facilita visibilizar qualquer coisa menos limpa. Trata-se de uma condição profissional que exige do portador de qualquer roupa uma higiene impecável. Não se trata, portanto, de generalização. Necessitamos de bom senso, sobretudo para descobrirmos, hoje, os valores da heterogeneidade, para convivermos com as diferenças. Afinal, democracia inclui o convívio com as diferenças, e o cidadão atualizado só será democrata se conseguir atingir esse valor.

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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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