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Entre o trabalho, escravidão e o medo
Um olhar sobre o mundo antigo, sobretudo sobre o Império Romano, à luz do que escreve Saller em Escravidão e a família romana, apoiado por Finley em A escravidão do mundo antigo, encontramos a formação de uma camada da sociedade, verdadeiramente um ‘gado humano’, que podia atingir 33% da população.
Se àquele tempo a escravidão marcava a vida dos impérios, deixando a vida boa para os patrícios e, mais tarde, para os nobres e comerciantes dos burgos livres, quando as colônias de exploração foram estabelecidas no novo mundo, o comércio de escravos voltou-se para o continente africano como um natural fornecedor, deixando em seu rastro uma multidão de serviçais, alheios aos estudos no mundo colonial.
Se, de um lado, nós fazemos parte de uma sociedade oriunda dessa relação ‘senhor-escravo’, de outro, desenvolvemos uma certa aversão ao trabalho manual. Eis a razão das escolas terem grandes dificuldades para desenvolver o tópico proposto pela Unesco de ‘aprender a fazer’.
As escolhas das profissões pagam fortes tributos a essa questão e, a aversão quase natural a esse ‘fazer’ impede decisões ou faz mudar o eixo dos interesses dos jovens concluintes do ensino médio.
Surge, então, em pleno século XXI, o perfil do novo escravo, daquele que detesta o trabalho e detesta desenvolver a força do trabalho. Esta mentalidade impede as escolhas e, os que devem decidir, olham em primeiro lugar para as profissões que não incluem o ‘fazer’, a não ser aquele fazer intelectual, provavelmente criativo e nunca braçal.
Porém, a pior situação é a do escravo inconsciente que só se manifesta em determinadas reações e, quando perguntado se permaneceria trabalhando em determinada função ou local após ser sorteado na loteria esportiva com direito a um elevado prêmio, sua resposta é imediata: “jamais passaria novamente na porta daquela empresa!”
Em decorrência, este profissional que não ama o que faz, que detesta o trabalho, exige um gerente ou coordenador que, na prática diária, não faz outra coisa senão tomar conta deste insatisfeito.
Surge o capataz. Se alguém tem uma mentalidade de escravo, ele mesmo exige um capataz, contrariando as propostas dos cursos de administração de empresas marcados pelas idéias de liderança e empreendedorismo.
Outro tipo de escravidão do mundo moderno é provocado pelo medo constante e líquido que Dupuy nos chama a atenção quando trata das estratégias do detour, esses desvios que, aos poucos, vão colocando objetos do desejo cada vez mais distantes das pessoas que se submetem a jornadas estafantes para conseguir o que desejam. Medo contínuo de não conseguir consumir, direcionando escolhas para carreiras que podem render dinheiro e, não, realização pessoal,
O ditado que garante a vida profissional marcada por 10% de vocação e 90% de adaptação nem sempre garante a realização, porém, esta desconstrução que desvia os investimentos e derrama vantagens reais em somente 22 países do mundo, provoca migrações e reprime desejos, mantendo a todos com o medo latente de passar alguma necessidade, acabando por viver para trabalhar e, não, trabalhar para viver.
Tudo isso afeta o ser em processo de estudo e escolha e, provavelmente, para a paz de cada um seria importante salientar que não existe profissão do futuro e, sim, profissionais competentes do amanhã.
Hamilton Werneck
Hamilton Werneck
Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.
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