Colunas
Educar para empreender
Na escola tradicional nada há em comum, porque esta escola educa para repetir. Se analisarmos, mais atentamente, ela desenvolve instrução repetidora. Os alunos não conseguem ver a aplicabilidade do que estão estudando. Já Paulo Freire condenava este tipo de educação, chamando-a de “bancária”, onde o professor deposita conhecimentos na mente poupadora do aluno.
Educar e empreender somente conseguem estar no mesmo patamar quando a escola entende que criatividade é para ser desenvolvida desde cedo. A vida precisa evoluir dos pequenos e médios projetos para os grandes projetos.
Desde 1971, com o relatório Faure, escrito para a Unesco e, depois, em 1999 com a publicação de “Religação dos Saberes”, sob a coordenação de Edgar Morin, fala-se insistentemente em educar para “saber fazer”. Isso significa transformar um aluno passivo, num empreendedor.
A questão vem de longe porque somos platônicos em excesso, gostamos de ideias, de pensar e, não, de fazer. Apesar da influência de Aristóteles, somos pouco práticos. É evidente que a Unesco propõe mais objetivos, tais como: aprender a conhecer, a conviver e a ser. Busca-se o ser humano completo. A escola, na verdade, colocando-se num patamar de transmissora de conhecimentos, atrapalha este desenvolvimento da pessoa.
Em congressos de educação pelo Brasil vejo que há muito mais para fazer do que possamos pensar. Temos um professorado com extrema boa vontade, recebendo salários abaixo do necessário para a reposição da cultura que precisam ter, muitas vezes sem saber os conteúdos que devem ministrar e, mais ainda, sem conhecer metodologias próprias para ensinar.
A estrutura está muito aquém de qualquer empreendedorismo e, sem ele, será difícil fazermos uma segunda grande revolução que dependerá de conhecimento e conhecimento aplicável à realidade.
A questão está colocada sobre quando começar a desenvolver a arte de empreender. Basta olhar as crianças brincando na rua ou no bairro. Elas inventam jogos, discutem regras, mudam regras, ajustam-se às realidades geográficas.
Olhe para os grupos de escoteiros - infelizmente em quantidade pequena - eles aprendem desde cedo o que é empreender, todo o sistema educativo leva a criança e o adolescente a buscar soluções para problemas, são incentivados a criar e a projetar soluções, seja na armação das barracas, seja na cozinha, seja na sobrevivência. As escolas não aproveitam uma dominante qual seja, a da estruturação do grupo, do “bando”, ocasião em que, juntos, fazem muitas coisas. Não é necessário ir tão longe. Quando um professor não sabe lecionar, os alunos se encarregam de “inventar” tipos diversos de brincadeiras, de indisciplinas. Nesse momento o grupo funciona e a energia de dentro dele aflora. A escola precisa atentar para esses aspectos vivos dentro das salas de aula.
Este tipo de educação é pouco incentivada no mundo, até porque os proativos não chegam aos 5% dos alunos. Além disso, quando se houve falar de empreendedorismo no meio acadêmico, a reação é muito forte porque este meio tende a refletir dentro de parâmetros políticos e econômicos não simpáticos ao capitalismo liberal. O empreendedorismo é, de fato, uma proposta capitalista, embora não seja impossível ser empreendedor dentro de regimes socialistas democráticos. Em países onde houve escravidão a situação é pior porque empreender está ligado ao fazer.
Fazer, nesses países passou a ser uma atividade de serviçais ou escravos. Além disso, os países e regiões colonizados por povos católicos não priorizavam o ato de fazer e empreender. Nesses, a maioria formou uma colônia de exploração e, não, de povoamento. As regiões ocupadas por protestantes, após o movimento de Lutero em 1517 e, sobretudo, após Calvino, foram colônias de povoamento.
Nós conhecemos um tipo de machado e sua filha única, a machadinha. Instrumento para cortar e derrubar. Visitando o museu da colonização em Nova York encontramos pelo menos 11tipos de machado, seja para destruir, seja para construir. Daí se vê a diferença.
As grandes escolas que tratam do meio ambiente dão o tom à educação: a escola determinista liderada por Frederick Ratzel, uma escola alemã, conhecida como ecológica, defende a natureza para que ela fique intacta. A escola possibilista que teve a liderança de um judeu, Henry La Blache, vê o meio ambiente de outra forma, buscando empreender para sobreviver. Um fato explica melhor: quando o imperador Carlos V enviou os judeus ibéricos, os marranos, para a região das Flandres, esperava que eles fossem dizimados pelas febres e falta de alimentos. A região era inóspita e alagada.
Eles, sendo empreendedores, construíram o primeiro Dam junto ao Rio Amstel, o que possibilitou controlar as águas e definir terras para o plantio. Foi o primeiro Dam do Rio Amstel. Surgiu, desse empreendimento, Amsterdã.
Uma escola empreendedora prepara a pessoa para o imprevisível, para as mudanças que não sabemos quais serão. Num mundo em que as mais importantes profissões dos anos 20 ainda não surgiram, só podemos esperar que seja diferente.
Quem se prepara para repetir ficará desempregado. A nossa escola do mundo ocidental quando trabalha bem e os alunos aprendem, forma dois tipos de gente: desempregado e monstrinho treinado. Desempregado porque nada sabe fazer, nem tem espírito empreendedor e criativo e, monstrinho treinado, porque com diploma sob o braço pode jogar crianças pelas janelas dos apartamentos.
As escolas erram quando preparam os seus alunos para um momento da vida, ou seja: o vestibular. O erro é claro quando assim agem, pelo alto índice evasão que presenciamos no ensino superior. Esta evasão atinge 40% conforme os cursos. São pessoas preparadas para passar de ano, passar para determinado curso e que, ao mesmo tempo, não estruturaram nenhum “curso de ação”, nenhum projeto de vida, nem sabem o que se faz em determinadas profissões.
As escolas preparam para ontem e para hoje, estão desligadas do amanhã. Nesse sentido acabam deixando de prestar um serviço necessário à sociedade. As escolas tradicionais estão centradas no teaching, na ensinagem; as escolas que mais evoluíram, centram-se no learning, na aprendizagem. Quem não fizer esta transformação, em pouco tempo não terá alunos dentro de suas salas de aula.
Hamilton Werneck
Hamilton Werneck
Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.
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