Considerações sobre a violência - Parte 2

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

A violência deve ser dissecada para que haja reflexão acerca de suas consequências. Quando uma menina foi morta no estado de São Paulo por ter caído ou ter sido jogada de um andar elevado, a mídia apresentou casos graves, filmados em consultórios médicos onde radiografias davam conta de múltiplas fraturas em crianças que eram violentamente espancadas pelos pais.

Uma radiografia alarmante mostrava as nádegas de uma criança de três anos e meio com uma queimadura arredondada, resultado de ter sido sentada na chapa quente do fogão à lenha por causa de enurese noturna. Enfim, barbaridades difíceis de serem imaginadas, porém, concretas. Uma distorção do poder paterno e materno.

Como o Estatuto da Criança e do Adolescente proibiu tais práticas para tristeza de muitos, claramente mais sádicos que pedagogos, as escolas criaram uma estratégia tão danosa quanto aquelas proibidas. Tratava-se da violência velada. Um professor, com olhar ameaçador passava pelo meio das carteiras dizendo que escolheria alguém para responder às suas perguntas. Ao mesmo tempo informava que as perguntas seriam simples, porém, quem não soubesse a resposta seria de extrema burrice.

O estado de medo diante desta situação representava uma violência velada que, ao mesmo tempo, poderia impedir um raciocínio correto. Estas práticas ainda existem e há quem delas se vanglorie, perdendo tempo em sala de aula, momentos preciosos para alguém aprender e, não, para fabricar inimigos em potencial.

A passagem de uma sociedade matrística para patriarcal, na visão de Maturana, configura o aumento da violência. Para este escritor chileno a fase matrística não estabelecia a supremacia de um gênero sobre o outro, nem mesmo sobre os outros seres da natureza.

A morte de um animal para ser consumido não envolvia o desperdício, nem a simples proteção de um rebanho. Esta fase supõe que todos precisavam sobreviver.

Visitando três tribos xavantes na região de Nova Xavantina, no Mato Grosso presenciei algo parecido. Levamos alimentos para os indígenas, inclusive pão. Quando um menino indígena saiu com um pedaço de pão pelo terreiro da tribo, uma galinha corria e bicava o mesmo pão. Ele continuou a caminhada dividindo o alimento com a ave. Esta, a visão matrística.

O pão não pertence ao menino, ambos podem reparti-lo, afinal, um dia a ave alimentará algum indígena. Na visão patriarcal as relações tornam-se diferentes, o homem passa a ter uma autoridade sobre os bens, a terra, as cabanas, os rebanhos e, inclusive, sobre a mulher. Estas relações passaram a ser envolvidas por violência.

Assim, não se matava um animal por questão de alimentação imediata. Matava-se porque ele poderia ser um predador de um rebanho que tinha dono, estava cercado num redil e pertencia a alguém. Numa decorrência mais ampla, todas as conquistas para ampliar as terras e os reinos foram violentas.

Enfrentamos guerras de todos os tipos com as imposições desde a cobrança dos impostos até as leis com base em crenças religiosas. Hoje, por exemplo, conforme a sharia, lei islâmica, uma mulher adúltera pode ser condenada à morte por apedrejamento, mas conforme as leis brasileiras, ela continuará viva, salvo se houver violência extrema por parte de quem foi traído. 

A nossa legislação não estabelece pena, como antes fazia. Esta questão da fidelidade é uma postura que se refere à ética da pessoa, dentro da realidade legal do Brasil.

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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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