Começam os debates sobre o assédio ideológico

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

O que tem sido muito positivo para a democracia brasileira é a quantidade de debates sobre variados assuntos. As querelas sobre as cotas, depois de passar por várias instâncias, chegou ao STF e foi definida. As votações sobre a criminalização ou não da homofobia caminham nas instâncias legislativas e o desfecho não está, ainda, devidamente claro. As páginas dos jornais continuam estampando os debates sobre a diminuição da maioridade penal. Enquanto alguns reafirmam sobre a laicidade da nação, outros desejam que a Bíblia seja um livro obrigatório em todas as bibliotecas escolares.

Tal quadro de debates só é possível num estado democrático. Não seria de se estranhar que outro tipo de controvérsia surgisse nesse mundo de pugilistas intelectuais. O debate mais recente e que já faz parte de projeto de lei encaminhado à Câmara Federal trata do assédio ideológico. Tal projeto prevê que os professores não poderiam “fazer a cabeça” de seus alunos em relação às possíveis posições políticas e ideológicas.

O grupo “escola sem partido” visa, exatamente, coibir comportamentos desse tipo. Defendem uma espécie de disciplina escolar neutra de modo que não coincida com os princípios norteadores de partido político algum.

Olhando com a visão de um dos intérpretes de Karl Marx, a questão da escola como “aparelho reprodutor” da sociedade, temos de admitir que ela reproduziria o que a Constituição Federal expressa. Louis Althusser vê, em seu livro: “Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado” que a escola é um “aparelho” promotor da estrutura jurídico-política e ideológica, enquanto a polícia é um “aparelho” repressor.

Neste último parágrafo discorri sobre o que Althusser afirma sobre a função da escola e da polícia em relação ao Estado. Não afirmei coisa alguma a favor ou contra o autor. Isto poderia ser discutido em sala de aula se fosse parte do conteúdo programático ou se complementasse o contexto sobre o assunto central a ser estudado.

No entanto, como é tênue a linha divisória entre as várias concepções, um pai de aluno com pouca visão crítica, ao ouvir falar deste autor como um dos intérpretes de Marx, imediatamente criaria uma moldura marxista para definir ideologicamente este professor.

Mas, não é somente esta questão que torna difícil estabelecer se um docente ensina e, ao mesmo tempo, procura construir critérios de análise que favoreçam ideologias político-partidárias.

Outra questão importante é que há muitas pessoas dotadas de uma consciência ingênua e que pensam que determinadas disciplinas não trazem em si concepções ideológicas ou religiosas.

Vejamos: um professor de biologia tratando de um assunto do programa de ensino médio, conhecido como antropologia fica numa situação muito complicada para atender às várias tendências das famílias. Enquanto uma aceita a criação conforme está expresso no capítulo primeiro do Livro do Gênesis, outras defendem o evolucionismo que pode ser darwiniano ou não. Este professor teria inúmeras dificuldades para lecionar biologia sem ser acusado de assédio ideológico religioso.

Observemos outro fato que presenciei numa escola: o professor adotou o livro Meninos de Engenho de José Lins do Rego. Um pai de aluno procurou-me informando que não compraria o livro e que seus filhos estavam proibidos de ler este autor por causa das descrições sobre algumas cenas de cópula entre animais num estábulo. De um lado, como coordenador, precisava manter a leitura extensiva e preservar a adoção do livro e autor que, na minha ótica, nada feria os princípios morais da escola porque as cenas eram totalmente secundárias; de outro, deveria atender à família que tinha o direito de pensar daquele modo.  Depois de conversar com o professor da disciplina que adotara o livro, definimos que o pai compraria outro título de um autor compatível com o momento dos estudos e os seus filhos teriam uma avaliação diversificada.

Durante décadas, no Brasil, os estudos de história seguiam a ótica portuguesa, defendendo o modelo colonial. A questão da expulsão dos holandeses é escrita de modo diferente sob a ótica portuguesa e sob o enfoque holandês, ensinado hoje, naquele país. Qual seria, então, o modo correto, neutro e não ideológico de ensinar história?

Como se vê, não é possível escapar de algo ideológico embutido nos livros escolares e, muito menos, conseguir neutralidade nas questões de avaliação.

Quando entramos numa escola e sala de aula temos uma plateia cativa, obrigada a ouvir o professor e sem a possibilidade de sair de lá por algum descontentamento. É neste aspecto que se baseia a ideia de “assédio ideológico”. A pessoa é obrigada a ouvir e, conforme o caso, responder às questões de avaliação que atendem à ideologia do professor.

O que este grupo pretende ao propor uma escola sem partido é que uma lei determine a explicitação, nos murais de todas as salas de aula, quais os direitos dos alunos em relação a este chamado “assédio ideológico”. Na verdade, eles já têm estes direitos, muitos, no entanto, não sabem.

Incutir, sem debate e sem alternativa, uma interpretação de questão acadêmica, mesmo que atenda à ideologia de alguns partidos políticos, não está de acordo com os princípios de nossa Carta Magna.

Por isso sempre defendi, como docente, que os assuntos deveriam ser debatidos e que as conclusões dentro da liberdade democrática deveriam ser aceitas como parte da formação para a criticidade de todos os alunos. Portanto, nas questões em que deveriam formular um parecer, o mais importante era a argumentação e, não, a vontade ou pensamento do professor.

Seria, então, neutra, a matemática? Seria ela uma disciplina exata? Ela não é neutra, nem exata. Se fosse exata não teríamos a noção de limite, de erro, o valor de PI ou TAU seriam exatos, as dízimas periódicas não existiriam. Muitos professores tentam fazer da matemática uma disciplina neutra porque ao ensinar equação, não mostram o valor de se equacionar um problema da vida real; estudam limites e não aplicam o conceito à vida diária; solucionam inúmeros problemas de cálculo integral e os alunos não compreendem a necessidade de integração na no dia a dia.

Por estas razões há famílias exigindo liberdade para ensinar aos seus filhos, não os matriculando em escolas, como estabelecem as nossas leis. Também a este respeito já tramita no Congresso Nacional projeto de lei que contempla esta exigência.

Estas questões precisam ser amadurecidas e debatidas entre as partes interessadas. Importante é que não seja mais um debate a jogar a culpa sobre a escola e impregnar todas as análises, demonizando-as, simplesmente porque não correspondem ao modo de pensar de um ou de outro.

Por mais leis que consigam aprovar e sancionar é impossível termos uma escola que agrade a todas as tendências das famílias.

Por isso o legislador deve ter uma visão bastante ampla para que as leis votadas sejam cumpridas.

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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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