As cotas avançam e espremem a classe média

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

As cotas vieram para ficar e as Universidades federais estão fazendo adequações e aumentos nos percentuais para alunos da escola pública, afrodescendentes e indígenas.  Levando-se em conta que em 2016 devemos atingir o percentual de 50% de cotas federais para os estudantes do ensino superior, a classe média que mais ocupa essas cobiçadas vagas será pressionada a escolher as escolas superiores pagas.

Semana passada li um artigo de competente economista chamando a atenção para essa distorção de maior presença de estudantes em condições de pagar ocupando as vagas das universidades públicas. Este mesmo economista afirmava que o mínimo que um responsável deveria pagar seria o mesmo valor que pagava no ensino médio, numa escola que garantia, pela competência, o ingresso no ensino superior público.

Tal distorção significa que a República, apesar de oferecer ensino gratuito para todos, devolve à classe média tudo o que ela investiu no ensino dos filhos em escolas particulares durante o ensino básico e médio, com a gratuidade do ensino superior. Essa devolução compensa porque o ensino superior é o mais caro de todos, se quiser ter qualidade.

Mas, se colocarmos em debate público a questão, a classe média irá para a rua com cartazes, fará passeatas em defesa da escola pública e gratuita, contando, por incrível que pareça, com grande participação de alunos mais pobres que, fazendo essa defesa garantes as vagas para os ricos, restando-lhes as vagas pagas do ensino particular.

A questão de "não passar” nos exames vestibulares não está em correlação positiva com a falta de inteligência e, sim, com um programa de vastidão proposital, recheado de inutilidades porque o objetivo é selecionar os que conseguiram ter acesso a todas as culturas, inclusive às inúteis, para garantir essas vagas. Por esta razão os cotistas ingressam e conseguem concluir os cursos. Recentes avaliações detectaram que estes concluem mais rapidamente porque não têm dinheiro disponível para intercâmbios que possam atrasar a própria graduação.

A proposta das cotas, além de popularizar o governo federal diante de uma classe de padrão mais elevado de conhecimento, mesmo provocando perdas entre os mais bem aquinhoados economicamente, encontra uma resultante favorável dado que os mais ricos votam em menor percentual com o atual perfil do governo federal.

O Brasil, criativo como sempre foi, está estruturando algumas saídas para essa questão. De um lado os alunos mais ricos matriculam-se em duas escolas: uma particular para garantir as vagas normais e, na escola pública, para fazer jus às vagas como cotistas. Se o governo não analisar, via imposto de renda a situação econômica das famílias desses candidatos estará ofertando cotas para os mais pobres que acabarão ocupadas pelos mais ricos. Resta saber se haverá resistência para jovens frequentarem duas escolas ao mesmo tempo e ao longo de três anos. Além disso, organização das escolas de ensino médio em tempo integral, poderia anular esta pretensão. 

Como se vê, apesar de estratagemas de resistência e contorno da legalização das cotas, não está sendo aberto um debate mais amplo sobre a possibilidade de pagamento nas universidades públicas conforme a renda dos aprovados nos vestibulares. Este debate seria mais acirrado e, certamente, o governo sairia derrotado.

Como sempre acontece no Brasil este problema estará ao longo de mais alguns anos contornando algo maior e mais complexo. Só não se pode prever quando o ensino público básico e médio será tão bom a ponto das cotas não serem mais necessárias.

Temos de aguardar. Mas a sorte está lançada e seus efeitos serão mais rápidos do que se possa pensar.


Professor Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e palestrante

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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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