A realidade e o mito nas eleições presidenciais de 2014

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Os slogans de campanha escondem mitos, assim como os "memes”, postados nas redes sociais. Hoje, quando falamos em "memes”, esquecemos que este tipo de conhecimento já é estudado há quarenta anos: enquanto gene está para genética, que transmite caracteres hereditários, "meme” está para memética, um conjunto de saberes que estuda a transmissão dos caracteres culturais. Daí termos realidades e mitos que ainda fazem parte dos noticiários.

Nesta semana um artigo em um periódico de grande circulação no país caracterizou as eleições como altamente "parelhas”, creio que usando um termo específico das plagas gaúchas. No decorrer do texto, um claro mito: "O país está dividido entre os que pagam impostos e os que recebem favores”. 

Mas por que mito? O articulista parece não perceber que alguns estados pagam impostos pesados, como o segundo e terceiro maior PIB por estado, como o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Dentro de Minas, a região do Triângulo Mineiro, rica e de forte agronegócio, paga altos impostos. 

Em todos os estados e região que citei, a candidata Dilma venceu as eleições, o que prova que áreas que pagam altos impostos escolheram de modo semelhante às regiões estigmatizadas como as que recebem benefícios. 

O segundo mito que se desdobra é o fato de se colocar o Nordeste em evidência como o que mais recebe favores. O articulista esqueceu-se que em 12 anos o PIB do nordeste teve um aumento superior a 300%. Portanto, esta região também paga impostos. O terceiro é que o Pará é grande contribuinte no tocante às comodities agrícolas e minerais o que justificava a busca da criação do estado do Carajás e do Tapajós. E como votou o Pará neste segundo turno? Elegeu o governador do PSDB e votou na candidata do PT à presidência. Então, quando afirmamos que há uma divisão entre quem paga e quem se beneficia é necessário analisar com detalhes o mapa do Brasil e não será com esta superficialidade de comentários que uma oposição conseguirá vencer eleições. 

De outro ângulo, criou-se o mito de que a cesta básica era o principal programa a favorecer a reeleição da presidente. Num segundo lance, mesmo depois de quase todos os candidatos defenderem este programa, até com a sua ampliação, o debate recaiu nas vertentes sobre a "paternidade” e a responsabilidade da execução do Bolsa Família. Não houve esclarecimento, por exemplo, que este programa é desenvolvido em 100 países, onde, em cinquenta deles, há a exigência de reciprocidade. A Índia instalará o programa para 600.000.000 habitantes em estado de extrema pobreza. Nem, muito menos, discutiu-se que se trata de um programa de seguridade alimentar promovido pela ONU e Banco Mundial.

Discutiu-se na periferia dos problemas e não houve aprofundamento dos debates em relação aos aspectos mais importantes, a ponto de o próprio governo comemorar pouco o fato de ter sido retirado o Brasil do mapa da fome!

E, por fim, ao término das eleições, o mais grave legado que fica para todos os políticos — e parece-me que eles não querem ver — é a quantidade dos votos nulos, brancos e de abstenções. Esta fala das urnas é gritante e se aproxima da metade do eleitorado. Tal fala diz claramente que há um descontentamento com várias vertentes disseminadas por partidos diferentes. Se não houver uma leitura clara, recorrente e marcada pela humildade que se requer dos eleitos e demais forças políticas, o que poderá surgir é um campo aberto para aventureiros e messiânicos. Tudo isso é prejudicial à democracia. Ainda há tempo? Sem dúvida. Parece-me no entanto, que ele é curto e exige um discernimento entre a realidade e o mito.


Professor Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e palestrante

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Hamilton Werneck

Hamilton Werneck

Eis um homem que representa com exatidão o significado da palavra “mestre”. Pedagogo, palestrante e educador, Hamilton Werneck compartilha com os leitores de A VOZ DA SERRA, todas as quartas, sua vasta experiência com a Educação no Brasil.

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