Vitória de Pirro

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O fato é que ouvindo podemos aprender muito, mas falando não aprendemos coisa nenhuma

Não vale a pena discutir. Os tropeços que tive nesse assunto não foram tão poucos que não tenham me ensinado quão grande besteira e perda de tempo é discutir, sobretudo religião, futebol e política. Porque essas coisas costumam virar crenças, e as crenças não mudam com facilidade. Às vezes, nem mesmo o céu desabando sobre a pessoa é capaz de fazê-la abandonar sua versão da verdade ou da mentira à qual se agarrou como se fosse o décimo primeiro Mandamento, trazido por Moisés diretamente do Monte Sinai. Pensando bem, não vale a pena discutir coisa nenhuma, que cada um acredite no que quiser, ou não acredite em nada, se melhor lhe aprouver. Há pessoas que não acreditam em Deus, mas isso não é grave. Grave seria se Deus não acreditasse nas pessoas.

Vejam o caso dos maridos que tentam sobrepor sua opinião à das mulheres. Quase sempre perdem, e pior ainda quando ganham. Nessa hipótese improvável, vão pagar caro pela vitória, ficando uma semana sem um sorriso e talvez sem coisa ainda mais importante. O prezado leitor e a não menos prezada leitora certamente conhecem a expressão “Vitória de Pirro”. Esse general, após a batalha de Ásculo (pelo nome já se vê que não é coisa boa), foi cumprimentar seus oficiais pelo resultado obtido e, ao saber das enormes baixas sofridas por seu exército, declarou que, com mais uma vitória daquelas, sua carreira estaria acabada. Não sei como acabou a carreira desse senhor, mas ao menos ele pode se orgulhar de ter deixado para a história a expressão “Vitória de Pirro”, isso é, uma vitória com cara e gosto de derrota.

Mas voltemos ao assunto que nos trouxe aqui. Todos os que já saímos dela sabemos que a juventude é uma época muito dada a certezas que o tempo acaba por provar não serem mais do que redondos equívocos. Às vezes, além de redondos, quadrados e circulares. Não sem razão se diz que o tempo é o senhor da razão. Eu, se quando jovem tive algumas certezas, atualmente as vou reduzindo às poucas e fundamentais, aquelas sem as quais a vida se torna, como disse Macbeth, “uma história contada por um idiota, cheia de som e de fúria, sem sentido algum”.

Hoje mesmo ouvi dois cavalheiros discutindo. Um se referia a certo político como “o maior enganador do século”, capaz de falar uma plantação inteira de abobrinhas, conseguindo que seus adoradores aplaudam e babem como se ele tivesse acabado de inventar o Sermão da Montanha. O outro, com não menor convicção, retrucava que, ao contrário, aquele grande homem só abre a boca para dizer verdades que só não escutam os que ouvem mal ou os que não querem ouvir porque são maus. Estava na cara de ambos que podiam ficar discutindo ad aeternum e nenhum dos dois se afastaria um tiquinho de suas convicções. Fiquei na minha e, pela cara de palerma que fiz, ambos rapidamente desistiram de obter a minha concordância presente e o meu voto futuro.

O fato é que ouvindo podemos aprender muito, mas falando não aprendemos coisa nenhuma, só gastamos nossas energias e a paciência dos ouvintes. As palavras são poderosas, e com elas podemos cantar, rezar, amar. É um completo desperdício gastá-las tentando convencer os outros de que estamos certos e eles, errados, quando o mais provável é que a verdade esteja no meio. E, ainda que tenhamos razão, o que melhor podemos fazer é deixar que nossa razão cresça e apareça por si mesma, sem que tentemos impô-la aos outros. Afinal, como nos ensinou a sábia Cora Coralina, “há muros que só a paciência derruba. E há pontes que só o carinho constrói”.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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