Velocidade e mutabilidade

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

"Diante de coisa tão doida/Conservemo-nos serenos.

Duas importantes marcas do nosso tempo, talvez as duas mais importantes, são a velocidade e a mutabilidade. Isso quer dizer que tudo muda incessantemente, e muda numa rapidez nunca antes vista na história humana.

         Que tudo muda neste mundo é fato que dispensa argumentação, a mais simples observação da realidade o comprova. Já o poeta Camões dizia que “Todo o mundo é composto de mudança”, para, no fim do soneto, lamentar que "não se muda já como soía".

O espantoso é a velocidade com que isso passou a ocorrer nos últimos tempos. Há um cálculo segundo o qual, se computarmos todas as gerações humanas desde que o homem surgiu sobre a face da Terra até a atual, verificaremos que as duas últimas passaram por mais transformações do que todas as anteriores juntas.

Esse fruir incessante é agora exponencial. O que é exponencial? É um número que pode ser multiplicado uma ou infindáveis vezes por si mesmo. Há uma história que bem demonstra o que é um exponencial.

Um homem inventou o jogo de xadrez e foi mostrá-lo ao rei. Maravilhado com o invento, o rei perguntou-lhe quanto queria por aquele jogo. O homem pediu um grão de arroz na primeira casa do tabuleiro, dois na segunda, quatro na terceira, e assim por diante, até a 64ª, que é a última do xadrez.

O rei achou que o homem era o mais desprendido ou o mais idiota de todos e mandou que seus conselheiros fechassem o negócio.

Poucos meses depois, os conselheiros voltaram e disseram para o rei que ainda não estavam na casa 32 e já não havia mais arroz no reino, pois agora todo o arroz pertencia ao inventor do jogo de xadrez. A quantidade de arroz nas mãos daquele homem aumentara exponencialmente!

Para se ter uma idéia da aceleração do mundo atual: para atingir 50 milhões de usuários, o rádio levou 38 anos. A televisão, 13. A internet, 4. Quanto tempo levou o celular para chegar ao mesmo número? Um instante! E agora, novos aparelhos são vendidos aos milhões em um só dia, às vezes tão logo as lojas abram as portas.

Aliás, o Período do Seixo Rolado durou 1.500.000 anos. O da Pedra Lascada, 500.000 anos. O da Pedra Polida, 50.000 anos. O Agrário, 10.000 anos. O industrial, 200 anos. O período da informática tem pouco mais de 50 anos e já se estendeu por todo o planeta.

E agora estamos em face do Período da Biotecnologia, da Nanotecnologia, com suas promessas e suas ameaças, ambas assustadoras.

Como viver num tempo em que o homem não consegue ser contemporâneo de si mesmo? Melhor seguirmos o conselho do poeta Cassiano Ricardo, no poema O relógio: "Diante de coisa tão doida/Conservemo-nos serenos. //Cada minuto da vida Nunca é mais,/ é sempre menos".

E ousemos sonhar que essa mudança acelerada resulte num mundo melhor para todos os seres humanos, e não apenas para a minoria de sempre.

É Talvez uma utopia. Mas, diante de coisa tão doida, o que seria de nós se não pudéssemos ao menos cultivar nossas utopias?

Dentre elas, conservemos a de que o livro, esse objeto mágico, não desaparecerá, por maiores que sejam as novidades que o ameacem. Já se disse que, se existissem internet, celular, smartphone e toda essa parafernália tecnológica e, de repente, alguém inventasse o livro, a humanidade, abismada, descobriria estar diante da mais moderna e revolucionária das invenções.

Sim, o livro continua imbatível, porque nele cabe o mundo, cabe a vida, cabe a maior de todas as realidades: o pequeno e vasto coração humano.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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