Vasco e Flamengo - A Decisão

quarta-feira, 03 de dezembro de 2014

Mas um viciozinho inocente pode ser tolerado, talvez até cultivado

Vejam só!  Bastou que eu escrevesse que é um pecado torcer pelo Vasco, havendo a opção de ser flamenguista, para que desabassem sobre mim o céu e a terra e o Maracanã por acréscimo. Amigos (talvez agora ex-amigos) que sofrem pelo cruzmaltino passaram a me parar na rua com as ameaças mais estarrecedoras, até de me expulsar do clã familiar andaram falando. E olha que eu escrevi baseado na pregação de um pastor, portanto alguém capacitado para dissertar sobre pecados e temas afins.

Lembrando à multidão de leitores desta coluna: em seu programa de rádio, um pastor declarou que, após ter se convertido, abandonara vários pecados e citou como exemplo roubar, andar atrás de mulher dos outros e torcer pelo Vasco. Quer dizer, não fui eu quem declarou que ser vascaíno era um pecado do mesmo nível de praticar adultério ou fazer parte do grupo que "administrou" a  Petrobras nos últimos anos. Apenas, humildemente, e com a boa intenção de advertir os apreciadores do futebol, sobretudo os mais jovens, que ainda não tomaram a decisão fatal, advertir, dizia eu, sobre a necessidade de se informar bem, antes de escolher o Clube da Colina, quero dizer, o clube do coração. Desculpem o ato falho!

Para falar a verdade, sou flamenguista moderado, fico alegre se o time ganha, não fico triste se o time perde. Se torcer pelo rubro-negro também for pecado, o máximo que vai me acontecer é passar uma semana ou duas no Purgatório, antes de subir para onde há de me levar a Misericórdia Divina, na qual acredito. No momento, o sofrimento maior é ver a nossa equipe lutar bravamente para não levar goleada (mas nem sempre conseguindo) e, no fim, ir parar no inferno futebolístico, que é a parte de baixo da tabela, lá perto do rebaixamento.

Quanto ao Vasco, cultivo até certa simpatia pelo clube, uma vez que tenho entre os parentes alguns de seus admiradores. Não é de se estranhar, pois mesmo nas melhores famílias coisas estranhas acontecem. Pior de tudo é meu neto, que até os sete anos andava no caminho certo, teve até festa de aniversário colorida com vermelho e preto e depois, ouvindo maus conselhos, tombou para o Vasco. Sete anos de pastor Jacó serviu a Labão, pai de Raquel, serrana bela, para com ela casar-se, como nos diz a Bíblia e sonetizou Camões. Pois eu, durante sete anos, tentei convencer meu neto de que até os quatorze não era feio retornar ao ninho antigo, ou seja, desvirar a casaca. Jacó não ganhou o jogo no tempo regulamentar, mas, dobrando a aposta de sete para quatorze, conquistou a taça na prorrogação. Eu me esforcei os mesmos longos anos e meu neto não se corrigiu, continua vascaíno até hoje.

Fica assim provado que nada tenho contra o time de São Januário. São Januário que o proteja sempre, exceto quando jogar contra "o mais querido do Brasil", circunstância em que, por uma questão de justiça celeste e futebolística, São Judas Tadeu deve prevalecer.

E, por fim, que todos os santos nos protejam contra um grande pecado e a maior das loucuras, que é brigar por causa de futebol. Uma boa amizade vale muito mais do que todas as partidas de futebol somadas, desde que o homem primitivo começou a chutar o crânio dos inimigos até a última Copa do Mundo (de triste lembrança). Há gente que briga até por religião, uns achando que entende Deus melhor do que os outros. Eu não acredito que Deus tenha assinado contrato de exclusividade com ninguém. Acho que a palavra "religião" precisa significar, não apenas religar as criaturas com o Criador, mas também ligar as criaturas entre si.

Tenho muito medo das pessoas perfeitas, que não possuem um viciozinho sequer. Nada que possa prejudicar a si mesmo ou a seus companheiros de morada neste lar provisório chamado Planeta Terra. Nada que possa prejudicar o próprio planeta ou qualquer das criaturas de Deus que nele habitam, seja um gênio da Física Quântica, seja um cachorro vadio, seja uma planta silvestre. Mas um viciozinho inocente pode ser tolerado, talvez até cultivado. Beber uma cervejinha, escrever crônicas bobas como esta, usar de preferência roupa velha ou torcer pelo Vasco, quando podia... 

Nem vou dizer mais nada, para não arrumar outra confusão!

Dedico esta crônica a todos os vascaínos, especialmente aos meus amigos que têm a Cruz de Malta no coração.

 

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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