Vamos trabalhar!

terça-feira, 07 de julho de 2015

... mesmo comparado comigo, o homem não era nenhum exemplo de beleza masculina

Uma amiga me conta e eu quase não acredito.  Mas passo adiante porque falta de assunto é uma tristeza, a gente se agarra até a uma frase ouvida de passagem para encher a folha de papel e a paciência do leitor.

Vamos ao caso. Mas antes de dar mais um passo, e a fim de que ninguém tenha a vaidade de se achar personagem deste relato, esclareço que o fato se deu numa cidade muito distante daqui, além, muito além daquela serra que ainda azula no horizonte, como diria José de Alencar.

E o fato é o seguinte. Trabalhava minha amiga no Departamento de Pessoal de uma escola estadual quando uma das professoras resolveu deixar as turmas para as quais lecionava. Até aí, nada de muito especial. Especial foi a razão apresentada pela renunciante:

— Jesus não quer que eu continue dando aula.

O que primeiro me espantou foi a atitude de Jesus, que comigo sempre agiu de maneira bem diferente. O que sempre ouvi dele foi ordem para trabalhar. Quando me aparecia mais trabalho, eu nem consultava Jesus, já sabendo de antemão que ele não ia permitir que eu recusasse. Depois, considerei que, conhecendo muito bem a situação do ensino no Brasil, e sendo ele o único e verdadeiro Mestre, não havia Jesus de dar tão  desastrada lição a  uma professora.

Mas não estou aqui para desmentir ninguém, e a verdade é que a professora conseguiu o milagre e foi transferida para uma atividade mais amena do que o vão esforço de tirar a garotada do reino escuro da ignorância. E essa história me lembrou de outras, de quando também eu prestava meus modestos serviços ao governo. Numa delas a servidora mandou um bilhete para seu superior hierárquico, comunicando que se ausentaria do trabalho por alguns dias, em virtude do precário estado de saúde do seu gato.

Quando li o tal bilhete, achei que a distinta funcionária estava usando a palavra gato para referir-se ao marido. Duas coisas logo me levaram à conclusão diferente.  Primeiro: eu já tinha conhecido de vista o dito senhor e, francamente, isso não me tinha feito nenhum bem as vistas. Mesmo um gato muito maltratado pela vida e pelos cachorros da vizinhança teria uma aparência melhor. Resumindo: mesmo comparado comigo, o homem não era nenhum exemplo de beleza masculina. Segundo, o nome que aparecia no bilhete: Mimi. Porque o cara era feio, mas não tinha cara de atender pelo delicado nome de Mimi.

Outra servidora fez um pedido que tanto dá para rir quanto para chorar. O pai dela havia falecido e lhe cabia o direito de oito dias de folga, os chamados licença de nojo. Lei muito justa, porque há perdas que, mesmo quando esperadas, nos deixam completamente atordoados. Perder o pai sem dúvida é uma delas. Esse é o lado triste da história. O lado engraçado é que a recém-órfã fez ao chefe um pedido inusitado. Ao invés de gozar a folga nos dias que se seguiriam ao falecimento, solicitou autorização para gozá-los em semanas alternadas, sempre às sextas-feiras. Assim, com certeza, melhor aproveitaria os fins de semana e com mais folga (quanta folga!) poderia prantear a perda que sofrera.

Enfim, trabalhar cansa. Não fosse assim, e o Senhor não nos teria condenado a ganhar o pão com o suor do próprio rosto. Na mesma escola onde se deu os fatos acima narrados, estava escrito: O trabalho enobrece o homem. Algum gaiato foi lá, riscou a palavra enobrece e no lugar sensatamente escreveu “emagrece”. Além do que, a palavra trabalho vem de um antigo instrumento de tortura chamado tripalium/tripálio. Imaginem para que esses três paus eram usados: com certeza não era para ninar as crianças.

Mas chega de conversa fiada. Vamos trabalhar!

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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