Uma aventura portenha

quarta-feira, 18 de março de 2015

Bem, a verdade é que você é mais esperto do que eu e não cai em conversa de moça bonita nem no Brasil, que dirá no estrangeiro.

Não sei se vocês já leram ou ouviram essa história, que, a bem da verdade, admito não ser minha. O jogador levou uma pancada na cabeça e foi retirado do gramado. O técnico, que não podia mais fazer substituição, dirigiu-se ao médico e perguntou como o rapaz estava. "Já recuperou os sentidos, mas ainda nem sabe quem é”, foi a resposta que ouviu. "Pois diga a ele que ele é o Pelé e pra voltar imediatamente pro jogo”, retrucou o treinador.

Falando em Pelé, me lembrei de Maradona roendo unhas num jogo Brasil e Argentina, que vencemos por 4 a 2. Se nossa Seleção fizesse mais um, de Maradona não sobravam nem os dedos. Mesmo com 4 a 2, as manicuras argentinas devem ter tido muito trabalho para consertar o estrago que Dom Dieguito fez nas suas extremidades digitais.

Pelé lembra Maradona pela discussão sobre quem foi o melhor. O mundo inteiro acha que foi Pelé, mas na Argentina se tem como certo que o mundo inteiro está errado. Promoveram uma pesquisa pela internet em que Maradona saiu vencedor, embora haja alguma dúvida sobre a lisura da pesquisa, uma vez que apareceu voto até do Papa. Bill Clinton exagerou e votou duas vezes. Madre Teresa de Calcutá, embora já falecida, mandou seu voto diretamente do Paraíso. Todos, naturalmente, em favor do craque argentino. Por essas e outras é que se diz que o melhor negócio do mundo é comprar um argentino pelo que ele vale e vendê-lo pelo que ele acha que vale.

Mas deixemos de implicância com los hermanos. Pessoalmente, nada tenho a reclamar. Estive em Buenos Aires e gostei da cidade, o que não é de espantar, mas, contrariando os preconceitos, gostei também do povo. Todos me trataram muito bem e, não sei se lhes conto, mas houve um episódio em que me trataram até bem demais, tão bem que eu saí correndo. Bom, vou contar, mas não espalhem. Por favor.

Estávamos passeando pela Florida, rua de comércio elegante da capital portenha. Em frente a cada loja dessa rua há uma pessoa distribuindo cartões e nos convidando a entrar. De modo que eu não estranhei quando uma jovem sugeriu que eu fosse a um bar ali perto para tomar um drinque. Meus amigos, eu não sabia do prestígio de que desfruta o homem brasileiro entre as mulheres descendentes de Eva. A Eva da Bíblia? Não! A de Perón: Evita. 

Mas não nos adiantemos aos fatos. E o fato é que eu, em bom portunhol, declinei do convite, embora visitar um bar estivesse nos meus planos para aquele dia. A moça gentilmente sugeriu então que eu fosse com ela ao dito bar, onde receberia um tíquete para uma bebida grátis à noite. Você teria recusado? Bem, a verdade é que você é mais esperto do que eu e não cai em conversa de moça bonita nem no Brasil, que dirá no estrangeiro.

Atravessei a rua com a chiquita e cruzei a porta que ela, mais uma vez gentilmente, abriu para mim. Agora mesmo é que a história começa. Lá dentro, um salão escuro, exceto pelas luzes de um barzinho junto à parede. As moças agora são três, e eu estou sozinho. Uma delas puxa conversa comigo: Brasileño? Como te llamas? És casado? E do tal tíquete, nada. Lá pelas tantas uma me vem com uma bebida verde num copo comprido, mas eu digo gracias e recuso, porque, para falar a verdade, eu já estava achando aquilo tudo muito estranho. 

 A moça começa a insistir para que beba. As outras duas ficam na frente, bloqueando a saída. Você me pergunta o que elas queriam comigo? Pois era isso mesmo que eu estava me perguntando. Despedi-me e dei um passo à frente, mas uma delas me empurrou para trás. Apresentei dois ou três bons argumentos em favor da minha imediata retirada, mas nada as convencia. Num dos empurrões, cai sobre a poltrona. Pois se ainda não tinha dito, digo agora: havia uma poltrona no local.

Bem, eu até posso ser um tipo irresistível, mas três ao mesmo tempo! O que elas estavam pensando? Vai ver que andaram assistindo a algum filme brasileiro pornô e ficaram com ideias malucas na cabeça. Assim assediado, como nunca dantes em minha vida, vali-me dos meus dotes de ator e simulei estar sofrendo um desmaio. Atuei tão bem que elas acreditaram, e a que estava com o copo virou-se para colocá-lo de volta no balcão.

Bem, imagino que o leitor está agora roendo mais as unhas do que Maradona em jogo Brasil-Argentina. Então, vamos ao the end. Assim que a moça se distraiu, aproveitei a brecha e corri para a porta que, suerte! Suerte!, estava apenas encostada.

Já na rua, olhei para o alto e prometi a mim mesmo que nunca mais, never more, aceitaria convite de moças estranhas para tomar um drinque. Ainda mais se elas forem argentinas.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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