Colunas
Transeuntes
Vai a lugar nenhum, fazer coisa nenhuma, mas vai
Tenho vontade de lhe perguntar para que ele carrega aquele cano de ferro. E mais um guarda-chuva na outra mão e a mochila às costas. Quase todo dia o vejo, tem talvez um destino e um objetivo. Pode ser que, banalmente, esteja indo trabalhar. Mas a mim me parece que apenas vagueia, desocupado profissional, andando sem motivo, mas com regularidade e eficiência. Vai a lugar nenhum, fazer coisa nenhuma, mas vai.
Bem me parece um homem de bem, desses que têm uma horta no quintal e cuidam de passarinhos. Mas, então, para que aquela barra de ferro? Talvez para espantar os cães, que ele não é o único andarilho da cidade, e nem todos serão mansos como ele. Quem sabe para afastar pedintes ainda mais pobres do que ele. Quem sabe para assustar pessoas inconvenientes como eu, que querem conhecer a história de sua vida ou – pior ainda – inventar histórias sobre ela.
Enfim, feliz é ele, que parece acreditar-se capaz de enfrentar todos os perigos com as fracas armas que carrega. Quiséramos nós, os desarmados, ter essa calma, essa serenidade, achar que tudo que nos ameaça pode ser afastado a golpes de guarda-chuva. O mal que nos ronda é tão maior! Não é a chuva que desaba, ou o cão que ladra. É a tempestade e o desvario que habitam o coração humano, e que tantas vezes, insensatamente, deixamos vir à tona.
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Reparem naquela esquina. Dois jovens se cumprimentam e sorriem timidamente. Quem não vê que é um casal de namorados, em seu primeiro encontro? Amar é... sobreviver ao primeiro encontro. Não ter o que dizer, não ter para onde olhar, não ter onde esconder as mãos que, de repente, cresceram desmesuradamente. Apesar disso, vão encontrar-se hoje, amanhã e depois. Seria interessante acompanhar o crescimento dessa sementinha frágil que começa a florescer em plena calçada. Nem mesmo eles sabem o quanto ela crescerá, se vai morrer por um nada ou se vai multiplicar-se em outros rapazes e moças que, dentro de alguns anos, estarão aqui, nesta mesma esquina, para formarem mais um elo na longa cadeia da aventura humana sobre a Terra.
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Dois meninos passam com uma bola de couro, que vão chutando em pequenos passes, sob os olhares desaprovadores dos adultos. São bons amigos e não querem saber de mais nada, exceto que têm jogo daqui a pouco e vencer esse jogo é tudo. São crianças ainda e aproveitam a maravilhosa oportunidade, nem sempre possível, de viver a infância, antes que o mundo despeje sobre eles o assustador balaio de compromissos, horários e responsabilidades que, bem ou mal, fazem parte da vida.
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Há muitos outros tipos pelas calçadas. Velhos e moços, alegres e tristes, bonitos e feios. Todo um mundo, cheio de grandezas e insignificâncias.
Pessoas, gente, irmãos. Mas, na maioria das vezes, apenas rostos, passantes, povo, multidão.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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