Trabalho, castigo e realização

terça-feira, 02 de agosto de 2016

... cada sentinela é responsável por todo o império

O cartaz dizia “O trabalho enobrece o homem”. Um engraçadinho foi lá, riscou “enobrece” e escreveu por cima: “emagrece”. Besteira, porque se trabalhar emagrecesse, os gordinhos iam pagar para trabalhar. As gordinhas, então, essas iam fazer hora extra sete dias por semana.

Na parede do escritório do famoso diplomata, admiradores mandaram registrar: “Nesta sala de trabalho morreu o Barão do Rio Branco”. Uns se fixam em “sala de trabalho”. Outros, em “de trabalho morreu”. A frase é ambígua, como ambíguos costumam ser os homens na hora de pegar no pesado, por a mão na massa, encarar o batente, ganhar o leite das crianças, ou qualquer outra metáfora que exista para trabalhar.

Há pessoas que se orgulham de trabalhar obsessivamente, na maior parte das vezes para ganhar dinheiro ou prestígio. Sacrificam amizades, relações familiares, uma hora a mais na cama de manhã ou o chope no fim de semana. Sentem-se heróicas se gastam todas as horas de seus dias e todos os dias de suas vidas como máquinas que incessantemente produzem pregos (seja qual for o prego que se dediquem a produzir). Tudo o mais para eles é perda de tempo. Sim, há os que nunca perdem tempo, ainda que, para isso, percam a vida enquanto permanecem ocupados.

Mas há também os que estão no outro extremo, aqueles para quem o trabalho é uma condenação bíblica, a ser cumprida de cara amarrada. De fato, “Ganharás o pão com o suor do teu rosto” é um pesado castigo lançado sobre os homens. Mas, sendo castigo divino, havia de trazer em si mesmo a possibilidade de tornar-se fonte de alegria e realização. É difícil não desprezar o preguiçoso, para o qual todo esforço é grande demais.

Certo governo, para mostrar que a economia estava melhorando, abriu uma agência para cadastrar desempregados e espalhou cartazes dizendo: “Conseguir emprego está mais fácil do que atravessar esta rua”. Um desocupado, que assim queria permanecer, acrescentou: “Eu me candidataria, se a agência não fosse do outro lado da rua”.

Para quem assim pensa, realmente o trabalho se torna um peso insuportável. Mas quem procura dar-lhe um sentido e uma direção, chega a transformar o trabalho em lazer, não porque deixa de carregar pedras, mas porque se alegra com a oportunidade de carregá-las. Sempre que preciso entrar na redação de A VOZ DA SERRA, já entro de costas para incomodar o mínimo possível. É que lá dentro só vejo gente trabalhando. E não como burocratas, como quem paga pecados. Mas como quem tem consciência do poder das palavras e do valor da informação.

Ninguém avalia o quanto custa ao oleiro fazer o jarro em que se colocam as flores. Mas quem está lá, na oficina e no forno de ideias que é a redação, sabe da luta para colocar o jornal de manhãzinha nas bancas. É uma tarefa que requer muito talento, mas às vezes é também quase um trabalho braçal. Para dar conta desse recado diário, só mesmo gostando do que se faz.

Portanto, por tanto, aos profissionais que fazem A VOZ DA SERRA e a todos os que neste mundo se dedicam a fazer jornalismo sério, desejo que, ao fim de cada jour, jornal, jornada, possam encontrar sua maior recompensa nesta passagem de “Terra dos Homens”, de Saint-Exupèry: “Aquele que vigia modestamente algumas ovelhas sob as estrelas, se tem consciência de seu papel, descobre que não é apenas um servidor. É uma sentinela. E cada sentinela é responsável por todo o império”.

TAGS:

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.