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Tempus fugit
E nem adianta querermos nos vingar, dizendo que mulher não fica velha, fica loura
Linda coisa é a mentira, não é verdade? Bem, pelo menos aquelas mentiras gentis, inofensivas, agradáveis para quem as fala e ainda mais para quem as ouve. Foi a conclusão a que cheguei após encontrar uma pessoa que há muito tempo não via, a quem achei bastante envelhecida, e de quem ouvi essa maravilhosa mentira: “Mas você não envelhece!” Saí desse encontro casual me sentindo dez, que digo!, vinte anos mais jovem. O problema foi chegar em casa e me olhar no espelho, que esse não mente nunca, por mais cruel que seja a verdade que tenha a nos mostrar. Bem disse Jean Cocteau: “Os espelhos deveriam pensar duas vezes antes de refletir”.
Mas, segundo Buffon, “A idade é um simples preconceito aritmético”. Preconceito ou não, o fato é que os anos se acumulam e despencam sobre nós, numa velocidade tal que nem os vemos passar. Quando percebemos, eles já estão... eu ia dizer “lá embaixo”, mas, como eles só aumentam, o mais certo é dizer que, quando percebemos, eles já estão lá em cima. De onde, impiedosos, nos olham com desdém, certos de que serão sempre vitoriosos na luta inglória e vã que travamos para detê-los. Tempus fugit, eis a dura realidade e, como cantava Belchior, “O que há algum tempo era novo, jovem/hoje é antigo”.
Ontem mesmo, uma senhora, olhando desanimada para o relógio, reclamou, não sei se comigo ou se com algum invisível emissário do deus Cronos que estivesse enclausurado conosco no elevador: “Como as horas passam depressa!” Clichê dos clichês, a frase brota naturalmente da boca de quem está com pressa, depois de ter feito mil coisas, ou de quem passou o dia deixando os segundos escorrerem pelos dedos e, subitamente, se dá conta de que as horas perdidas não retornam nunca mais. Como se diz em bom português, “já era”, ou, como dizem os franceses, “jamé”. Confesso que tive a crueldade de responder à senhora do elevador: “A vida é que passa depressa!”
Contudo, não são poucas as mulheres que conseguem reter o tempo de tal maneira que, a cada dez anos, envelhecem apenas um ou dois. Ainda que nunca tenham ouvido falar nele, são admiradoras de Buffon, e não acreditam na equivocada regra aritmética segundo a qual dois anos mais dois anos são quatro anos, quando podem, dependendo de quem faz as contas, não passar de cinco ou seis meses. Só assim se explica que tantas prossigam leves e faceiras, enquanto seus maridos não fazem outra coisa senão aumentar a barriga e embranquecer os cabelos. E nem adianta querermos nos vingar, dizendo que mulher não fica velha, fica loura. Sorte delas, se é assim, ou se só elas sabem a mágica que faz parecer que assim é.
Uma delas, a quem conheci nos longes de minha infância, tinha uma frase definitiva para calar quem insinuasse qualquer coisa a respeito de sua longevidade: “Velho é trapo”, dizia ela, querendo dizer que o adjetivo não se aplica às pessoas, e sim às coisas. As rosas do seu jardim ficarão velhas, velha ficará sua cadeira predileta. As pessoas (pelo menos as mais sábias) apenas prolongam a juventude por décadas, ganham experiência e, ainda quando a custa de muitos gemidos, resistem. Nada envelhece mais do que sentir-se velho, aceitar ser tratado como velho. Uma famosa atriz americana sabia disso muito bem e dava a receita para quem quisesse manter-se jovem como ela: fazer exercícios, comer frutas e mentir a idade. Enfim, não querendo encerrar com uma frase pessimista, mas não tendo outra à mão, concluo citando Machado de Assis: “Nós matamos o tempo, mas ele nos enterra”.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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