Sobre a ignorância

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Eu me lembro do rio Negro e já me dou por muito satisfeito

Desculpe a franqueza, mas você é um ignorante. Sei disso porque também sou, e muito. Veja bem: Sócrates, que deixou fama de sábio, se confessou ignorante e não se envergonhava disso. “Só sei que nada sei” é o franco reconhecimento de que, se avançarmos um milímetro sabedoria a dentro, bilhões de quilômetros ainda estarão à nossa frente. Não dá nem para imaginar a luz no fim do túnel, quanto mais vê-la. A ignorância é o estado natural do ser humano, a gente nasce sem saber sequer que nasceu, depois vai aprendendo uma coisa aqui, outra ali, enfim, vai diminuindo aos poucos a burrice original. Alguns chegam perto da sabedoria, outros parece que partem deste mundo intelectualmente tão nus quanto nasceram.

Mas há conhecimentos e conhecimentos. Por exemplo: não sei qual amigo/personagem do escritor João Ubaldo - se Luiz Cuiúba, Zé da Honorina ou que outro habitante da Ilha de Taparica -, costuma humilhar turistas estrangeiros, desafiando-os a citar os afluentes à esquerda e à direita do rio Amazonas. Enquanto os visitantes gaguejam atrapalhados, ele, que decorou todos os nomes, do alto de sua sabedoria de pescador, e cheio do mais patriótico orgulho, nomeia-os um por um. Eu, para não dizer que desconheço completamente o assunto, me lembro do rio Negro e já me dou por muito satisfeito.

Mas é chegada a hora de mostrar que não foi sem razão que comecei essa conversa com o que pareceria uma ofensa ao leitor – não fôssemos eu e ele velhos companheiros na difícil arte de viver sabendo pouco de poucas matérias e nada sabendo de matérias infindáveis. Então, para os que não ficaram ofendidos com as duas primeiras frases e chegaram até aqui, apresento um desafio, baseado em livros didáticos do oitavo (oitavo!) ano.

1. Qual o idioma dos incas? Vai ver que, de tanto assistir a filme americano, você respondeu: inglês!, com ponto-de-exclamação e tudo. Ou, mais latino-americanamente, optou pelo espanhol. De qualquer forma, tirou zero. O idioma dos incas era o quíchua.

2. Qual era a base da economia dos maias? Antes que você responda, advirto que estou falando de um povo pré-colombiano, e não dos muitos Maias da política brasileira, pois até as crianças da oitava série sabem de onde vem o dinheiro desses senhores. Mas se você respondeu petróleo ou exploração de minério, errou redondamente e quadradamente também. A economia maia se baseava no cultivo do milho, feijão e tubérculos.

3. O que significa parassíntese? Confundiu com parasitismo ou coisa semelhante? Nada disso. Trata-se de um processo de formação de palavras em que a uma já existente se acrescentam simultaneamente um prefixo e um sufixo. Como não levo fé na inteligência do leitor, dou um exemplo: envelhecer. (A partir de velho, não se forma envelho, nem velhecer, mas somente envelhecer).

Vamos à História, na qual talvez você se saia um pouquinho melhor.

4. Na Revolução Industrial Inglesa, o que caracterizava os ludistas? Simpatizantes do ex-presidente Lula? Adeptos do budismo? Qual nada! Os ludistas, também conhecidos como “quebradores de máquinas”, invadiam e depredavam as fábricas, em protesto contra as más condições de trabalho.

A essas alturas, o leitor, com justa razão, há de estar se perguntando: Mas qual o propósito dessa conversa toda? Já explico. Não é um tanto absurdo que adolescentes de doze ou treze anos tenham que decorar essas coisas? Eu, por exemplo, só não erraria todas as questões porque talvez (talvez) acertasse a de português. Quanto às demais, se precisasse delas, ia procurá-las na internet. Você tem vivido bem sem saber nada disso, não tem? Maior do que todas as estrelas do firmamento é o número de coisas que ignoramos, e alguma delas é melhor mesmo que sejam ignoradas.

A propósito: Quais são os afluentes do rio Amazonas, à esquerda e à direita?

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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