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Quero virar diamante
Talvez, só por isso, eu já mereça que eles digam, lembrando de mim: “Ele era uma joia!”
Nelson Rodrigues disse que sua geração tinha matado o ponto de exclamação, porque ninguém se espantava com mais nada. Pois eu me espantei com duas notícias que li recentemente.
A primeira é que os alemães patentearam a marca “rapadura”. Ora, veja você! Eu pensava que não existia nada mais brasileiro do que a rapadura. Talvez a jabuticaba. Pois agora a rapadura é alemã. Isso significa que, se quisermos vender qualquer coisa com esse nome, vamos ter que pagar royalties aos novos donos da palavra.
Somos mesmo um bando de trouxas. Olhe o caso da bebida. Uísque, tequila, vodca, tudo tratado com veneração em seus países e, portanto, também por aqui. Já a cachaça, a nossa boa cachacinha, é vista por nós com o maior desprezo. Um povo que não respeita sua bebida, mas trata a dos outros como se fosse o licor dos deuses. E nem me venham falar em alcoolismo, que eu estou fora dessa. Às vezes, uma dosinha antes do almoço, não nego. Mas lamento profundamente que tanta gente, no mundo inteiro, seja vítima da doença do alcoolismo. E digo mesmo que, se dependesse de mim, não haveria bebida alcoólica no mundo. Mas acho que beber não é problema, problema é ficar bêbado. Isso sim, é um desastre, quando não uma tragédia.
Mas, enfim, não respeitamos a cachaça, nem a rapadura. Os alemães, que não são bobos, passaram a mão. Quanto à cachaça, parece que havia no governo certo senhor chegado a uma boa pinga (também conhecida como abrideira, água-que-passarinho-não-bebe, caninha, bagaceira, danada, malvada, purinha, tome-juízo, veneno, birinaite e muitos etcs.), de modo que agiram para que ninguém se apropriasse do nome “cachaça”. Quanto à rapadura, meus amigos, está perdida. Adeus!
A segunda notícia, e essa me interessou especialmente, é que uma empresa alemã (eles de novo!), utilizando-se de um processo desenvolvido na Rússia, está transformando em diamante as cinzas de cidadãos cremados.
Não ria! É tudo absolutamente científico. Os cientistas separam o carbono das cinzas recebidas e, submetendo-o a pressões e temperaturas altíssimas, fazem com que ele vire diamante. É o mesmo processo que a natureza utiliza, só que levando milhares de anos. A empresa alemã não precisa de mais do que dois meses para transformar pó em pedra preciosa.
Eu, que já havia optado por ser cremado, agora quero virar diamante. Podem me colocar num pingente, ou simplesmente me deixar no fundo de uma gaveta. Tanto faz. Mas virar uma joia após a morte, eu, que não fui nenhuma preciosidade em vida, é uma ideia que muito me agrada.
O problema é o preço. Não é com dez mil réis que a gente pode virar brinco na orelha da viúva ou colar no pescoço da neta. Se você está pensando nisso, é melhor deixar assinado um cheque em branco, que será preenchido com alguns milhares de reais. Além de, claro, contribuir com as cinzas, o que é lado mais desagradável da história.
Pensando bem, acho até que vou desistir de virar diamante. Não sei se valho tanto estando vivo, imagine morto. Se eu me for deixando boas lembranças, já estarei satisfeito. E, para deixar lembranças melhores ainda, espero não deixar dívidas para os outros pagarem. Talvez, só por isso, eu já mereça que eles digam, lembrando de mim: “Ele era uma joia!”.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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