Quase uma nova guerra

terça-feira, 05 de abril de 2016

 ...eu teria concordado até que Maradona foi melhor do que o Pelé!

Não sei quanto a vocês, mas eu nunca me meti nessa história. Se as ilhas são Malvinas ou Falkland é um problema deles, embora se saiba que arrumar um inimigo externo e mesmo uma guerrinha é um velho truque dos ditadores para fazer o povo esquecer quem é o verdadeiro inimigo. Além do mais, sempre detestei esse negócio de gente se matando. Talvez nem sempre porque, quando criança, gostava bem quando branco matava índio em faroeste americano. Às vezes, um tiro só derrubava quatro ou cinco peles-vermelhas do cavalo. Aplausos gerais no cinema.

Mas hoje em dia, se acaso revejo um daqueles filmes, torço pelo índio, mesmo sabendo que isso não vai ajudá-lo em nada, o pobre coitado vai morrer de novo, como morreu quando pela primeira vez o vi se atrevendo a enfrentar o mocinho. Para falar francamente, tenho horror até dessas lutas em que dois homens (atualmente também duas mulheres!) se socam e se chutam até que um deles esteja todo arrebentado.

Assim sendo, nunca tomei partido na tal Guerra das Malvinas, embora sabendo que os próprios moradores das ilhas preferiam continuar europeus a se tornarem sul-americanos. Acrescente-se o fato de que os ditadores brasileiros apoiavam seus colegas instalados na Casa Rosada, o que, na minha opinião, conta muitos pontos a favor dos ingleses. Ainda assim me mantive neutro.

Pois estava eu em Buenos Aires, na minha honrada função de carregador de compras e pagador de contas da minha mulher, quando me sentei num banco, nele arriando a bolsa que naquele momento mais me pesava no ombro, embora não fosse a que mais me pesava no bolso. De repente um senhor com ares portenhos se aproxima de nós, aponta para a bolsa e diz alguma coisa num tom que me pareceu um tanto ou quanto belicoso.

Meu espanhol é zero e a inteligência não ajuda muito, de modo que não entendi o que estava acontecendo. Mas o homem acabou concluindo que eu não tinha cara de aliado de nenhuma potência estrangeira. Quando ele se retirou, percebemos que a bolsa que eu exibia, na maior inocência, tinha o desenho da bandeira inglesa e, em letras gritantes, a palavra London, que parece não ser a preferida dos argentinos.

As mulheres em geral entendem as coisas mais rapidamente que os homens, sendo que, no meu caso, onde está escrito “em geral”, leia-se “sempre”. De modo que foi ela quem decifrou o mistério. Desembrulhando o que o homem havia dito, concluiu que aquela bandeira e aquela palavra eram detestadas em seu país e, que para ele, simbolizava a morte de 750 dos seus compatriotas. E assim, eu, que nem me lembrava dessa guerra, de repente quase me vi envolvido no conflito.

Um ditado antigo, tão antigo que há milhares de anos não o ouço, recomenda que “Em Roma, aja como os romanos”. Do que se conclui que não é prudente desfilar por Buenos Aires com coisas que lembrem a terra da Rainha e, por conseguinte, a dolorosa experiência que foi desafiar o Reino Unido e, talvez pior ainda, desafiar Margareth Tatcher.

Mudei a posição da bolsa, de modo que a bandeira ficasse voltada para o meu peito, rezando para que nenhum argentino interpretasse aquilo como uma manifestação de amor pela Inglaterra. E só não passei a andar com a camisa azul e branca com o nome Messi escrito nas costas porque me faltou dinheiro para comprar uma.

Mas, naquela circunstância, eu teria concordado até que foi mesmo la mano de Dios que fez o gol da vitória argentina, justamente contra a Inglaterra, na Copa de 1986.

Enfim, para evitar uma nova Guerra das Malvinas na qual, por minha culpa, o Brasil ficaria envolvido, eu teria concordado até que Maradona foi melhor do que o Pelé!

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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