Colunas
Palavras enganadoras
Sim, frases enganosas ou enganadas vêm de longe e estão presentes em todos os idiomas
Como até os cabeludos estão carecas de saber, “pois sim” é uma negativa. “Você não quer subir pra conhecer minha coleção de vinil?” “Pois sim, minha amiga já me contou o que aconteceu com ela depois do último disco!” (Dessa vez não “colou”: a moça não vai entrar nessa fria - ou nessa quente, dependendo do ponto de vista).
Por outro lado, ”pois não” é resposta positiva. “Entra aqui no quarto para ver o Portinari que eu tenho na parede”. “Pois não. Nossa, que cama grande!” (Aí, com Portinari ou sem Portinari, o cara já sabe que se deu bem).
Durante algum tempo impliquei com a expressão “perigo de vida”, achando que o perigo não é a vida, e sim a morte. Mas a evidência de que as línguas não têm lógica acabou se impondo e concluí que “perigo de vida” significa “perigo de perder a vida”, pois, conforme acertadamente concluiu RiobaldoTatarana, “viver é muito perigoso”.
Mas ainda estranho quando ouço falar em “pessoas de ambos os sexos”, pois em criança aprendi que os sexos eram apenas dois e não coabitavam no mesmo ser, fosse ele gente ou bicho. O leitor dirá que isso é de muito antigamente, e não lhe tiro a razão. Mas foi só de uns tempos para cá que tudo disparou a mudar tão aceleradamente. Os sexos hoje em dia já são cinco ou seis e continuam aumentando, de modo que não causa mais estranheza que algumas pessoas tenham mais de um.
As línguas são cheias de mistérios e surpresas. E de intenções ocultas, como em “Sorria, você está sendo filmado”, que, na verdade, significa: “Não roube, você está sendo vigiado”. Sem falar nos anúncios apresentados como se fossem a mais santadas verdades e que, quando vamos verificar, são pequenos exageros, quando não a mais deslavada mentira.
Agora, por exemplo, está na moda esse tal de “um novo conceito em”. A loja anuncia “um novo conceito em atendimento ao cliente” e quando você entra se depara com o mesmíssimo atendimento que vem recebendo há dez anos. Alguém lança um jornal com “um novo conceito em jornalismo”. Lido e relido, ninguém descobre nada de novo, são os mesmos erros e acertos cometidos desde que o imperador romano Júlio César mandou publicar o Acta Diurna, ou pelo menos desde que Guttenberg inventou a imprensa.
Sim, frases enganosas ou enganadas vêm de longe e estão presentes em todos os idiomas. Com as palavras nos entendemos e desentendemos. O linguista Charles Berlitz diz que os chineses chamam o canguru de “rato com bolso” (nesse sentido, canguru é um nome que, sem faltar à verdade, pode ser dado a esse pessoal que andou “administrando” a Petrobras, outras empresas e órgãos do governo).
Quando os colonizadores chegaram à Austrália, perguntavam aos nativos o nome de um bicho estranho que nunca antes tinham visto. Os aborígenes respondiam: “Canguru!, Canguru!”, que lá na língua deles significa “Não entendo!, Não entendo!” Os recém-chegados, ignorantes que nem eles só, nada entenderam e concluíram que estavam ouvindo o nome do animal.
Não convém levar ao pé da letra tudo que se ouve e lê. Uma esquina não pode ser dobrada, chá de cadeira teria um gosto horroroso, Deus jamais faria chover canivete. Especial atenção merece a linguagem publicitária, pela qual tenho grande apreço, não porque seja comprador compulsório, mas porque me divirto com a grandiloquência, a sinceridade e as boas intenções dos anunciantes.
Vejam esse comercial que (mais ou menos assim) está rolando em uma emissora de TV: “Minha vida tinha ido pro brejo. Mas dei adeus às preocupações profissionais, às dores musculares após o futebol e aos fracassos na hora do amor. Use você também o consagrado Pó da Cartilagem do Joelho do Jumento. Ninguém nunca ouviu falar em jumento resfriado, com enxaqueca ou decepcionando a jumenta. Resolvi experimentar e agora a Graça, minha mulher, está até escondendo o pacotinho desse maravilhoso produto, pra ver se eu diminuo a frequência. Pó da Cartilagem do Joelho do Jumento: a solução de seus problemas no trabalho, na grama e na cama”.
As palavras são muito enganadoras. Bem disse Cecília Meireles: “Ai palavras, ai palavras, que estranha incoerência a vossa!” (Ou não foi exatamente assim?).
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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