Colunas
Os bancos de antigamente
Quando você fala “por favor”, eles já estão gritando “próximo!”
Minha vida profissional começou de calças curtas. Naquele tempo não havia trabalho infantil e trabalho adulto, havia trabalho. E bem cedo eu fui apresentado a ele, não vou dizer que com muito prazer, porque prazer mesmo seria ter continuado jogando futebol e lendo gibi. O trabalho me afastou da proveitosa convivência com a bola e com os grandes homens de então: Cisco Kid, Capitão Marvel, Homem Aranha, Príncipe Íbis e por aí vai.
Inocente que eu era, nem estranhava que todos fossem solteirões e que a maioria deles andasse metido em cavernas ou dormindo sob a mesma manta que seus companheiros de cavalgada. Vide Batman e Robin, Cavaleiro Solitário e Tonto. Mas isso não é de minha conta, não é agora que vou adotar o péssimo hábito de falar da vida alheia.
Estou pensando em falar é de minha passagem triunfal pelo sistema bancário brasileiro, ao qual me dediquei por três anos. Triunfal porque, apesar de minha incompatibilidade congênita com números e datas, não arrasei nenhum banco nacional, e olha que banqueiros muito mais graduados do que eu não se envergonham de levar suas empresas à falência, com grande prejuízo para os trouxas que lá guardavam suas economias. Mas também não estou aqui para falar mal de banqueiros.
Ocorre que hoje mesmo fui a um banco e fiquei reparando nas maravilhas da modernidade. Por exemplo, as filas, que ultrapassam os limites da agência, estendem-se em duas festivas direções pelas calçadas e só terminam onde o último velhinho desmaia. Uma beleza!
E os caixas, que chegaram à perfeição de nos atenderem sem falar conosco e sem olhar para nossa cara? Também, se nos olharem, é bem capaz de darmos boa tarde e perguntarmos como vai, fazendo-os perder o tempo de que não dispõem. Quando você fala “por favor”, eles já estão gritando “próximo!”
Modéstia à parte, quando eu atuava no ramo as coisas eram diferentes, embora fossem bem atrasadas em relação à tecnologia de hoje. Tão atrasadas, mas tão atrasadas que os clientes recebiam juros para deixar o dinheiro depositado. Verdade! Todo fim de mês os funcionários iam jantar depois do expediente e voltavam para varar a madrugada fazendo conta.
João recebia uns quinhentos mil cruzeiros de juros, dona Maria apenas cem, mas ninguém amanhecia no dia primeiro sem ter um trocadinho a mais na conta. Hoje em dia a gente é que paga pela honra de confiar aos banqueiros o dinheiro que eles, patrioticamente e a 20% ao mês, emprestam ao governo. E se você se distrai e acena para o gerente, o débito aparece na sua conta no dia seguinte.
Os caixas eram polivalentes, não tinha essa moleza atual de só pagar, receber e gritar “próximo!” Naquela época cabia-lhes fazer todos os lançamentos, à medida que iam atendendo a freguesia. Os cálculos eram feitos à mão e os resultados transcritos num cartão amarelado, no qual estava escrito o nome do cidadão e o número da conta. Terminado o expediente, era um tal de somar, subtrair, multiplicar e dividir que só mesmo graças à proteção do santo padroeiro dos bancários chegava-se a resultado senão perfeito, ao menos razoável. Acrescente-se que os banqueiros não precisam de santo protetor, porque já têm três protetores aqui na Terra mesmo: os poderes da República, as leis do país e os aviões que os levam para o estrangeiro, quando necessário.
Não que não existissem máquinas de calcular. À manivela, mas existiam. O funcionário dedilhava os valores e puxava uma alavanca. A engenhoca rugia como fera cutucada com vara curta e expelia o total que lhe parecia mais conveniente. Era acreditar ou não. Em geral se acreditava, porque a opção era refazer as contas - de cabeça.
O problema maior, no entanto, consistia em que as calculadoras eram poucas e só os funcionários mais antigos e graduados tinham acesso a elas. Para os outros, lápis e papel de rascunho. Depois ainda era preciso fazer a tal “prova dos nove”, maravilhosa operação matemática que o computador primeiro desmoralizou e em seguida aposentou.
Pensa que os cheques eram compensados via internet? Engano seu. Lá pelas 17h cada agência mandava um funcionário, em geral dos mais imprestáveis (eu, por exemplo) ao Banco do Brasil e lá os cheques eram fisicamente trocados, ficando o BB senhor e responsável pelos débitos e créditos apurados.
E, no entanto, se você depositasse um cheque de outro banco, no dia seguinte, milagrosamente, o valor estava na sua conta. Atualmente, isso leva no mínimo três dias, durante os quais alguém fica com a sua grana. Deve ser a internet.
Enfim, assim caminha a humanidade. Se bem que, em se tratando de banqueiros, talvez seja mais acertado dizer que assim caminha a desumanidade. Encerro dizendo que deixei a carreira por livre e espontânea vontade, embora talvez ela não tivesse durado muito, tendo-se em conta que vezes sem conta faço a mesma conta e o resultado é diferente em cada uma delas. Mas o que conta mesmo é aquele famoso axioma matemático que, se bem me lembro, é assim: a ordem dos produtos não altera os fatores.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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