Colunas
O velho Braga
Quereis fretar esse navio e nele navegar vossa tristeza e vosso sonho?
Há pessoas que escrevem mal sem que para isso precisem fazer qualquer esforço. É um dom natural, que conseguem aperfeiçoar a cada frase. Mas também há pessoas que escrevem naturalmente bem e, nesse caso, Rubem Braga é dos melhores exemplos. Seus textos têm um jeito de conversa jogada fora, dessas sem sentido e sem finalidade e, no entanto, basta chegar ao fim para ter vontade de começar a ler de novo.
Caso único de quem deixou nome na literatura brasileira escrevendo apenas crônicas, forma literária por natureza tão superficial e passageira, Rubem é, no dizer de Otto Lara Resende, “um clássico. E um mestre”. Para destacar-se num país em que quase todos os grandes poetas e romancistas são também cronistas, só mesmo sendo o velho Braga, nas mãos de quem o superficial e passageiro tornava-se profundo e permanente.
Há anos venho exercendo, com voz rouca e desafinada, esse mesmo ofício que o velho Braga exerceu com a voz melodiosa que lhe valeu o apelido de Sabiá, dado por Paulo Mendes Campos. Tenho três ou quatro leitores constantes e outros ocasionais e devo a essas almas generosas uma página que lhes pague tamanha tolerância. E queria premiá-los hoje com uma amostra ao menos do talento do nosso melhor cronista.
Lembrei-me de uma crônica em que ele fala de um barco chamado Juparanã (“Quereis fretar esse navio e nele navegar vossa tristeza e vosso sonho?) e de como o barco “costurava” o Rio Doce (“Essa viagem de 130 quilômetros desde a Barra até Colatina tem na verdade muito mais do dobro, não só pelo capricho do canal como pelo bom coração do nosso barco”), indo de uma margem a outra para apanhar qualquer passageiro que, com um simples farrapo branco, estivesse “mandando seu apelo da fímbria da floresta”.
Bem que eu gostaria de transcrever a crônica inteira, mas, não tendo espaço suficiente, dou-lhes de presente o último parágrafo, que é o bastante para se entender porque Manuel Bandeira reconhecia “a inefável poesia que só do Braga, sempre bom e, quando não tem assunto, então é ótimo!”
Vejam: “Quem sobe na Barra e vê logo acima de Povoação, no lado norte, uma pequena sede de fazenda fazendo um claro debrum no escuro da mata e pergunta seu nome, lhe respondem: é o Império da Boa Vontade. No dia azul em que esse império se espalhar pelo mundo, há de ter como nau capitânia de sua grande Marinha de Paz o barco Juparanã, amigo de todas as bandeiras brancas”.
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Antônio Maria (“Ninguém me ama, ninguém me quer/ Ninguém me chama de meu amor/ A vida passa e eu sem ninguém/ ninguém me abraça, nem me quer bem”) foi um talento múltiplo: compositor, jornalista, roteirista e por aí vai. Certa vez, compôs um texto para um programa de TV. Os produtores acharam que aquilo não seria entendido pelos telespectadores, e lhe pediram que reescrevesse de forma mais simples. Antônio Maria fez duas outras versões – recusadas -, simplificando o mais possível seu trabalho. No fim das contas, já irritado, entregou a versão final, com esse comentário:
Pior do que isso não consigo fazer!
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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