O sexo dos anjos

quarta-feira, 04 de setembro de 2019

Verdade que estamos vivendo tempos loucos, em que nada mais parece passar da conta

Cinco jovens foram presos em Nova York por estarem fazendo sexo em local público. O mais novo tinha 65 anos e o mais idoso, 85. Para ser exato, quem tinha 85 era justamente a única mulher do grupo. Não sei muitos detalhes da festa e se soubesse não diria, já que esta é uma coluna respeitável e respeitosa. Pelo menos é essa minha opinião. Haverá quem discorde, que a unanimidade não é coisa deste mundo e mesmo no céu talvez ocorra de vez em quando alguma discussão, possivelmente sobre a insolúvel questão do sexo dos anjos. Ou dos idosos.

Também não sei qual o motivo da prisão. Pode ter sido pelo inusitado do ato (com perdão da palavra de duplo sentido), pode ter sido pela inconveniência do local, ou porque aquela transa provecta assustou as demais pessoas que transitavam pelo parque. Ou talvez simplesmente a polícia tenha achado que gente em idade tão avançada não deveria ser tão avançada. Até porque, depois dos 65, certas atividades representam iminente perigo de vida. Além do mais, uma dama sozinha contra quatro cavalheiros é um combate desigual, mesmo que a heroica combatente esteja cheia de energia e saúde.

O que eu sei é que esses velhinhos estavam se exibindo sem necessidade e igualmente sem necessidade se expondo ao vento frio que certamente soprava pelo parque, pois Nova York não fica muito longe do Polo Norte. Poderiam muito bem ter feito em casa, entre quatro paredes, o que preferiram fazer tão à vista de todo mundo que até eu fiquei sabendo, mesmo sem sair daqui do meu cantinho. Se é que, em casa ou na rua, conseguiriam fazer alguma coisa além de ficar pelados, olhando um para a cara do outro, ou para qualquer outra parte do corpo que lhes parecesse mais interessante.

Divertir-se é direito de todos, em qualquer idade. Então, se os velhinhos queriam aproveitar o vigor que lhes restava, tudo bem. Mas em grupo e em público! Tenham paciência!  Verdade que estamos vivendo tempos loucos, em que nada mais parece passar da conta. É uma competição diária para saber quem é mais doido, mais excêntrico, mais original. É só abrir uma revista e lá estarão atrizes famosas declarando quantos parceiros tiveram na última semana. É só ligar a televisão e assistir a shows de vulgaridades, adultérios e violências.

O tempora!, o mores!, exclamou Cícero no senado romano, contra a devassidão de sua época. Isso porque ele não conhecia o nosso senado nem a nossa época.  Coisas que antes ninguém veria, nem obrigado por todos os torturadores do mundo, hoje integram a programação vespertina de qualquer cinema. Palavras que mesmo a pessoa mais vulgar evitava hoje fazem parte do vocabulário dos senhores (e das senhoras!) mais solenes.

Ó tempos!, ó costumes! Bradava Cícero, mais de 100 anos antes de Cristo. Que diria o nobre tribuno se vivesse hoje, quando os escândalos estão praticamente extintos, quando “não existe pecado do lado de baixo do Equador”, tampouco no de cima, e quando nem mesmo cinco anciãos transando em praça pública nos escandaliza mais!

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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