O poder masculino

quarta-feira, 18 de julho de 2018

A ela só resta obedecer humildemente

Numa roda de senhores mais ou menos sérios, um deles resolve mostrar como exerce sua autoridade sobre a mulher e os filhos.

- Há muito tempo implantei a democracia na minha família. Pois bem, somos quatro eleitores, entre cinco e cinquenta anos. A mãe expõe despretensiosamente sua opinião e eu exponho a minha, com garra e argumentos irretorquíveis. Depois, decidimos no voto. Devo admitir que até hoje perdi todas as votações por 3 a 1. Só uma vez houve surpresa: foi quando, no calor dos debates, eu me confundi e votei contra mim mesmo, sendo esta a única vez que ela conseguiu unanimidade: quatro a zero. Se o governo tivesse no Congresso a maioria sólida que minha mulher tem lá em casa, fazia a reforma trabalhista em uma semana.

  - Como veem, não me faltariam razões para colocar os tanques na rua e mudar o regime. Seria um golpe, mas, sendo eu vencedor, lhe daria o nome de Revolução, que é uma palavra mais nobre. No entanto, apesar das sucessivas derrotas, nunca atentei contra as instituições e continuo levando todas as decisões para o plenário. Eu quero ficar em casa e ela quer ir para a praia? Praia 3 x Casa 1. Eu quero abrir uma poupança e ela quer trocar o carro? Carro 3 x Poupança 1. E assim vai. Posso dizer, com orgulho, que sou uma vítima da democracia.

A este primeiro desabafo, segue-se outro, igual motivo de orgulho para os machistas presentes:

- Pois comigo é diferente. Minha mulher é a última que fala, e sempre para assinar embaixo do que eu tiver resolvido. Ela não deixa de pedir a minha aprovação para as mínimas coisas que tenha de fazer. Às vezes eu até tento lhe dar maior liberdade, alego que não entendo do assunto, que estou sem tempo, coisas assim. Por exemplo: eu lá vou saber qual o tecido de cortina que melhor assenta com os móveis da sala? Aí eu digo: o que você escolher está bom, todas as cores do mostruário que você trouxe para eu ver são bonitas, você é que tem bom gosto para essas coisas, etc., etc. Mas ela não se conforma e quer porque quer ouvir a minha opinião.

- Se eu resisto demais em pronunciar-me sobre essas questões vitais, fica magoada, diz que a casa não é só dela, que não é possível que eu dê tão pouca importância ao conforto do nosso lar. Acabo emitindo uma opinião, que é sempre a mesma: compre o mais barato. A essa altura da conversa, ela faz uma exposição sobre o tema “o barato sai caro”, peroração tão bem fundamentada que poderia ser apresentada com mérito em qualquer simpósio internacional de economia. Afinal, sem mais saída, apanho as amostras, como se estivesse para finalmente me decidir, mas secretamente esperando descobrir no rosto dela algum sinal que traia preferência por este ou aquele. Na falta de qualquer contração solidária ou piscadela caritativa que me ajude a sair da situação assim aflitiva, tomo uma decisão: “Prefiro este cinza aqui”.

- Só então ela faz um ar de quem experimenta grande piedade por uma pessoa tão completamente ignorante sobre cortinas em particular e sobre decoração em geral, e arremata: “Ah, não! Tem de ser aquele violeta ali porque...” e me dá mil motivos que provam de maneira irrefutável que minha opinião foi inteiramente inepta, para não dizer que foi uma completa idiotice. Aí eu, com a autoridade que me cabe, sentencio: “O violeta fica melhor. Já decidi: põe o violeta”. A ela só resta obedecer humildemente: “Se é o que você escolheu... está resolvido”.

E eu, que até então só tinha ficado ouvindo e rindo, me lembrei do que dizem as feministas: Deus fez o homem, olhou bem, coçou a cabeça e concluiu: “Eu posso fazer coisa melhor”. E então criou a mulher.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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