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O Mistério do Tempo
Enfim, a morte devia ser proibida para pessoa com menos de 100, 110, por que não 120?
Vocês se lembram do tal bug do Milênio? O medo universal de que, na virada de 1999 para 2000, os computadores do mundo inteiro enlouquecessem? Como logo se viu, estavam fazendo pouco da inteligência das máquinas, que, sem dificuldade, fizeram as contas e pularam de um século para outro sem errar dia ou hora, sem apagar tudo o que haviam arquivado até então. Só mesmo por piada é que se pode dizer que o computador português não tem memória, tem uma vaga lembrança. Seja como for, no dia primeiro de janeiro o computador sabia tudo o que sabia no dia 31 de dezembro.
Vaga lembrança tem aquele político que, confrontado com o fato de que possuía uma fazenda que seus vencimentos legais não lhe permitiriam ter, saiu-se com essa, diante das câmeras: "Ué, essa fazenda é minha?! Nem me lembro.” E mesmo diante dos documentos apresentados pelo repórter, não entregou os pontos: "Tenho uma vaga lembrança...”
Quando eu era criança, e para falar a verdade isso já tem um tempinho, havia um ditado que muitas vezes ouvi de minha mãe: "De mil passarás, a dois mil não chegarás”. Não só chegamos, como já estamos mergulhados neles há 14 anos. Contudo, diziam que o fim do mundo estava datado na Bíblia e, como ninguém por ali tinha lido a Bíblia, acreditava-se. Uma boa citação, mesmo inventada, tem sempre o peso de uma verdade inquestionável.
Enfim, o tempo é uma das grandes preocupações humanas, talvez porque entendê-lo esteja acima da nossa inteligência. Já Santo Agostinho afirmava: "O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não o sei”.
Tudo isso me ocorreu quando me dei conta da azáfama (não sei de onde tirei essa palavra!) em que andam as pessoas por causa da chegada de 2015. Parece que uma grande mudança está para ocorrer, quando, na verdade, nada muda. O tempo é indivisível, eu mesmo já o chamei de túnica inconsútil. O tempo não passa, nós é que passamos, e com que rapidez, Deus do Céu!
A única mudança verdadeira é que, quando amanhecermos na primeira manhã do novo ano, estaremos um dia mais velhos. Até mesmo os recém-nascidos estarão mais velhos. Bem, não ignoremos certas senhoras que, indiferentes ao despencar dos dias, recusam-se a mudar de idade. Uma delas, minha conhecida, há mais de vinte anos permanece nos cinquenta. É um milagre, mas quem disse que os milagres não acontecem? E quem melhor do que as mulheres para realizá-los?
Atribuem a Jorge Amado o seguinte gracejo: "Dizem que envelhecer tem algumas vantagens, mas eu ainda não descobri nenhuma”. Contudo, a alternativa a não envelhecer é péssima, basta pensar um pouco para chegar a essa conclusão. Enfim, a morte devia ser proibida para pessoa com menos de 100, 110, por que não 120?
Mas esqueçamos assunto tão desagradável. O Ano Novo está para chegar, e é melhor recebê-lo com otimismo, com a firme esperança de que coisas boas acontecerão em nossas vidas, na vida de todas as pessoas. Embora muitos acontecimentos do mundo atual pareçam provar que ela está mesmo é dando marcha à ré, a humanidade caminha para frente. Em passos lentos, talvez, mas sempre para a frente. E cabe a cada um de nós dar um empurrãozinho nessa direção. Pouca coisa, mas que seja o melhor que pudermos fazer.
E o que eu desejo é que cada dia de sua vida seja o começo de um novo ano de felicidades. Permaneçamos tranquilos, porque, segundo a segundo, estamos nas mãos daquele sobre quem afirmam os Salmos de Davi: "Senhor, tu tens sido nosso refúgio de geração em geração (...) Tu és Deus desde toda a eternidade e por todos os séculos”.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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