Colunas
Nosso pedacinho de chão
Sem falar nas que matamos por acreditar que seus chifres têm poderes afrodisíacos
Várias religiões, crenças e crendices falam no fim do mundo. O fim do mundo, aliás, é um dos pratos prediletos de Hollywood, embora quase sempre o mocinho chegue a tempo de salvar pelo menos a mocinha e assim dar continuidade à espécie. Creio que, para tanto, valem-se do método tradicional,que desde Adão e Eva vem sendo utilizado pela humanidade. Método, aliás, tão eficiente que já passamos de sete bilhões de pessoas sobre o planeta.
Nos filmes americanos, não raro é o próprio Mister President que,lembrando seus tempos de herói do Vietnã, embarca no Number One e resolve a parada. No Brasil não dá para imaginar Fernando Henrique enfrentando alienígenas no tapa, José Sarney contendo vazamentos nucleares, ou Lula desviando mísseis lançados sobre Brasília. Pensem no Itamar, com aquele topete, ou no Collor, com aquele nariz empinado. Não, nossos presidentes são muito anticinematográficos.
Eu não acredito num fim de mundo assim tão hollywoodiano. Se olharmos bem, constataremos que o mundo está acabando aos poucos, e sem nenhuma ajuda de seres extraterrestres ou de grandes catástrofes naturais.
Nós mesmos estamos arrasando o solo, o mar e o ar. Os entendidos afirmam que já estamos devorando uma vez e meia o que a Terra pode repor. Se ainda nos conformássemos em consumir como os africanos, o planeta poderia suportar quase dez bilhões de pessoas comendo, bebendo e produzindo lixo.
Em compensação, se fôssemos todos norte-americanos ou canadenses, a população mundial teria que ser reduzida a menos de dois bilhões. Pois, para cada cidadão que neste momento devora seu hambúrger com refrigerante em um país rico, quatro pobres estão passando fome em algum lugar menos afortunado do mundo.
Pior do que os asteróides que extinguiram os dinossauros, o homem vai exterminando as outras espécies. Muitas já se foram, muitas outras estão em vias de extinção, transformadas em comida supérflua, roupa desnecessária, bugiganga para enfeitar a sala. Sem falar nas que matamos por acreditar que seus chifres têm poderes afrodisíacos, ou que seus ossos podem curar nossos males, dores e sofrimentos.
O capítulo especial das águas é assustador. Calcula-se que a Terra, que de terra tem mais é nome, seja coberta por quase um bilhão e meio de quilômetros cúbicos de água. Mas não se iludam: desse total, somente cem milhões estão ao alcance de nossa sede. No Brasil, berço esplêndido sob tantos pontos de vista, repousam 12% do toda a água potável do mundo.
Donos de tamanha riqueza, nós a desprezamos como se fosse uma porcaria qualquer e, além do mais, inacabável. Rios, mares e oceanos viraram a grande lixeira da humanidade. É espantoso o número de seres marinhos encontrados com o estômago cheio de plástico, ou que não escapam das redes das embarcações pesqueiras ou que simplesmente morrem envenenados pelo pântano em que transformamos seu habitat. Não é nada melhor a situação do ar sujo que respiramos, ou das temperaturas a cada dia mais enlouquecidas.
Enfim, só nos resta a esperança de que o tamanho do desastre fique a cada dia mais evidente e nos conscientizemos de que precisamos cuidar do nosso lar, nosso pedacinho de chão - limitado e perecível - no universo eterno e infindável. Rezemos para que os cientistas descubram como multiplicar os alimentos, os governos encontrem meios de melhorar a qualidade do ar, enfim, que o nosso instinto de sobrevivência mais uma vez nos conduza a uma saída.
Mas isso ainda será pouco se cada um de nós não fizer a sua parte. Só mesmo na ficção o presidente americano salva a humanidade, no máximo ele vai salvar os americanos. Quando faltar água, pode apostar que os povos mais poderosos hão de achar um jeito de explicar por que, afinal, a água é mais deles do que dos outros.
Portanto, pare de jogar ponta de cigarro no chão, feche a torneira enquanto escova os dentes, ponha no prato apenas o que vai comer, recolha as sacolas plásticas, recicle tudo o que for minimamente reaproveitável. Isso é tão pouco, mas é indispensável, e é a responsabilidade que cabe a cada um de nós na manutenção da beleza, da limpeza, enfim, da vida no Planeta Terra.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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