Colunas
Não conte para ninguém
Se preocupa não, amor. Vai ver que vão te dar um aumento de salário.
Juliano chega em casa, e desabafa com a mulher, Isadora.
— Sabe o Pauloca, lá do escritório, um que cuida dos computadores?
— Mais ou menos. Que que tem ele?
— Levou a maior bronca do Dr. Camargo. Imagina que ele se irritou com os computadores começou a rasgar papel. Você sabe como o Dr. Camargo é. Ficou uma fera e repreendeu o funcionário em público. Mas, olha, não conta isso pra ninguém, que eu não quero confusão com Pauloca, que é meu colega e amigo há mais de dez anos.
— Claro que não vou contar. Eu mal conheço esse tal Pauloca.
No manhã seguinte, Isadora sai da academia com sua amiga Catarina.
— Juliano chegou em casa ontem chateado. Problema lá no escritório. Parece que o Dr. Camargo surpreendeu o técnico em computador, Pauloca, levando uma resma de papel para casa. Acho que foi isso. Falei para ele não esquentar a cabeça com problemas do Pauloca, já bastam os nossos. Mas, olha, não conta isso pra ninguém, que eu não quero que Juliano se aborreça ainda mais com essa história.
— Claro que eu não vou contar. Pra falar a verdade, nunca vi esse Pauloca mais gordo.
Catarina à tarde está no motel com o namorado, João Vítor. Depois do depois, pergunta se ele conhece a empresa de um tal Dr. Camargo.
— Conheço. Camargo & Camargo. Até estagiei lá. Será que tão precisando de advogado? Tô procurando emprego.
— Isso eu não sei. O que minha amiga Isadora me contou é que o marido dela soube que anda sumindo coisa lá no escritório. Parece que um tal Pauloca roubou um computador da firma. Roubar computador! Se ainda fosse dinheiro! Mas não conta isso pra ninguém, que Isadora me pediu segredo.
— Eu sou lá de fazer fofoca? Esse negócio de leva-e-traz é coisa de mulher!
No domingo, João Vítor vai ao shopping com Maristela, a outra namorada, que também é técnica em computador.
— Essa tua profissão, heim! Tem um colega seu roubando firme do patrão. Não me lembro bem o que me falaram, mas parece que um tal Pauloca está desviando dinheiro grosso dos Camargos! Desse jeito, vai acabar dono de metade da firma. Vê se segue o exemplo dele e termina aquela obra lá na sua casa! Mas não conta isso pra ninguém, que eu nem lembro quem me passou essa história.
— Que isso, João Vítor? Eu sou lá alguma fofoqueira? Amanhã nem me lembro de mais nada.
Dois dias depois, Maristela vai ao shopping com a amiga Anamara. Vê uma câmera e comenta:
— Olha só, eles dizem “Sorria, você está sendo filmado” quando, na verdade, querem dizer: “Não roube, você está sendo filmado”. Mas eles tão certos, porque tem gente que rouba até sem necessidade. Me contaram que na Camargo & Camargo um tal Pauloca superfaturou tanto nas obras que a construtora está à beira da falência. Pior que esse cara já era dono de metade da empresa.Tem necessidade?! Agora, faz favor de não contar isso pra ninguém: eles que são brancos que se entendam!
— Minha amiga, eu sou um túmulo. Falou comigo, enterrou o assunto.
Mal saem do shopping, Anamara telefona para seu primo Adalberto.
— Querido, você nem sabe o que eu descobri. Soube por uma fonte fidedigna que não demora muito você perde o emprego, porque, do jeito que um colega seu chamado Pauloca tá desviando dinheiro, em pouco tempo a empresa fecha, priminho! Só te peço pra não espalhar a notícia, pra não comprometer a minha fonte.
— Que contar, que contar! Vou é fechar a boca mais ainda! Bem que eu nunca confiei nesse Pauloca, futicando os computadores da gente! Só não denuncio porque ele é casado e tem dois filhos. O patrão é que trate de ficar de olho!
Na manhã do outro dia, enquanto Pauloca mexe em um computador, Adalberto reúne os colegas atrás de uns armários do escritório.
— Gentes, tenho uma coisa pra contar que vocês nem vão acreditar...
..........................
— Deitados na cama, Pauloca desabafa com a mulher, Rosa Maria:
— Não sei o que está acontecendo no escritório. Tá todo mundo me olhando esquisito. Tem colegas que há dias não falam comigo. E, ainda por cima, o Dr. Camargo me mandou ir à sala dele amanhã de manhã. Que será que tá havendo?
Rosa Maria, mais dormindo que acordada:
— Se preocupa não, amor. Vai ver que vão te dar um aumento de salário.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário