Na ribanceira

quarta-feira, 05 de setembro de 2018

Na exagerada Coreia do Sul, por quaisquer seis milhões de dólares arma-se o maior barraco

O que nos falta é ribanceira. Na Coreia do Sul, um ex-presidente renunciou ao cargo porque alguém de sua família havia recebido propina de uma empresa que pretendia obter facilidades do governo. O caso nem era com ele e, além do mais, a grana era uma mixaria, se comparada aos padrões brasileiros de roubalheira. Mas, envergonhado, o homem deixou o alto cargo a que chegara, certamente após longos anos na política.

Roh Moo-hyun retirou-se para sua cidade natal, onde se tornou uma atração turística, certamente por ser aquele país muito pobre em encantos naturais que atraiam visitantes, e mais pobre ainda em políticos corruptos. Daí que qualquer governante que tenha um parente safado desperta grande atenção, vira celebridade, como acontece aqui com artistas e jogadores de futebol. Ônibus lotados passaram a rodear a casa onde vivia aquele compatriota famoso.

Envergonhado com tanta fama, o sr. Moo-hyun dirigiu-se ao alto de um morro e de lá atirou-se ribanceira abaixo, tendo alcançado plenamente o seu objetivo, que era morrer. Dessa forma, livrou a si mesmo e a família da desonra que sobre eles se abatera, por causa dos seis milhões de dólares que entraram indevidamente nos bolsos de um parente ganancioso.

É por isso que eu digo: o que nos falta é ribanceira. Não que nossos homens públicos, ou, com perdão da palavra, nossas mulheres públicas, não se arrependam dos atos de improbidade que praticam. Mas, sendo o nosso país carente de ribanceiras, ficam eles e elas impossibilitados de seguir o exemplo do colega sul-coreano. Onde arrumaríamos morros bastantes para tanta gente pular?  Somos obrigados a reconhecer que a topografia nacional não colabora para que os criminosos possam expiar os seus malfeitos.

Além do mais, com milhares de quilômetros de lindas costas, e milhões de mulheres tomando sol nas praias, com as costas e tudo o mais igualmente lindo, é natural que o brasileiro se distraia com esse duplo encanto: da paisagem feminina e da paisagem geográfica. Isso sem falar na extensão da Amazônia, na riquíssima biodiversidade, nas cachoeiras abundantes, nos campos floridos, nas lavouras férteis. Desculpem tantos adjetivos, mas é o Brasil! Não há como falar dele sem muitos adjetivos e pontos de exclamação. A consequência de tanta beleza é que ninguém dá a devida importância aos bandidos nacionais, quer estejam assaltando no calor do asfalto, quer estejam assinando papéis nos gabinetes oficiais.

Também há que se levar em conta que, na exagerada Coreia do Sul, por quaisquer seis milhões de dólares arma-se o maior barraco. Aqui, se por uma quantia pequena como essa o sujeito fosse se matar, aí mesmo é que não haveria barranco que desse conta. Brasileiro não é idiota de sujar-se por tão pouco dinheiro. Levamos ao pé da letra o conselho de um personagem de Machado de Assis, no conto em que um homem vai a julgamento por ter roubado a pequena quantia de duzentos mil-réis. Um dos jurados resolve condenar o réu, não tanto pelo roubo, mas por ter roubado quantia tão insignificante. Indignado, justifica seu voto: “Quer sujar-se? Suje-se gordo!”

Mas, a bem da verdade, mesmo entre nós há aqueles que não se sujam nem gordo, nem magro. Serão talvez poucos, mas, enquanto eles existirem, poderemos conservar a esperança do dia em que não precisaremos nem de muitas cadeias, nem de muitas ribanceiras, para vivermos num país moralmente mais limpo.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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