Colunas
Mal explicado
Uma pequena frase mal construída pode causar grandes embaraços
Com perdão da rima, escrever mal é quase natural. A maioria de nós nasce com esse talento e frequentemente ainda o aperfeiçoa ao longo da vida. Na verdade, escrever bem é que contraria a natureza humana, exige muito esforço, muita leitura. Como diz Jeca Tatu, não paga a pena. Com frequência, chegamos à perfeição de, além de escrever mal, escrever errado. Também na versão oral, e ainda mais nela, dedicamo-nos com grande competência ao uso de modismos, cacófatos, pleonasmos, ambiguidades, solecismos e outros tropeços. O lugar-comum é dos mais comuns.
Numa loja de departamento vi o seguinte cartaz: “Caro Cliente. Se ao passar pela porta o alarme soar, dirija-se ao funcionário mais próximo para a retirada do mesmo”. Havia justamente um funcionário na porta, ao lado do aviso. Fiquei pensando em como seria complicado retirá-lo dali, visto que se tratava de um sujeito grande e gordo. Com quatro anos de antecedência, as autoridades cariocas informavam, orgulhosas: “Maracanã futuro palco da Copa do Mundo de 2014”. Ou o adjetivo ou o numeral estava sobrando, pois, dado o hábito que o tempo tem de não ficar parado, em 2010, o ano de 2014 não tinha como deixar de ser futuro. E olha essa: “O ferido foi levado ao hospital, onde não resistiu aos primeiros socorros”. Quer dizer que foram os primeiros socorros que o mataram?
Uma pequena frase mal construída pode causar grandes embaraços.
Certa vez visitei o sítio de um amigo superdetalhista. Num tanque próximo à churrasqueira, uma placa avisava: “Proibido lavar rosto, mãos, pés e etc.” O problema nem era tanto o “e” desnecessário, o problema era o tanque ficar justamente na altura do etc masculino. Os mais farristas logo começaram a interpretar a abreviatura como um eufemismo. Depois de muita cerveja (pois era dia de festa pagã) não faltou quem se dissesse disposto a lavar o etc justamente no local proibido. Felizmente, não chegou a consumar o crime (embora, quem sabe, algumas das senhoras presentes talvez não achassem a ideia de todo má).
E até os substantivos próprios, em geral tão recatados, às vezes causam dúvidas que nem mesmo os mais doutos professores conseguem elucidar. É o caso desse diálogo entre a mãe e o filho de sete anos:
- Mãe, qual é meu nome de verdade?
- Antônio Carlos, meu filho.
- E por que todo mundo no prédio me chama de “A Pestinha do 308”?
Mas não percamos com essas questões o tempo que muito melhor aproveitaríamos paternalmente brincando com as crianças, esperançosamente indo à igreja ou humanamente tomando uma cerveja. A hipercorreção e o patrulhamento nos levam a construir barreiras que só dificultam a convivência.
Claro que devemos cuidar da correção e da clareza ao falar e escrever. A linguagem é dos mais preciosos tesouros da cultura humana. Talvez o mais precioso. Mas também não vamos sair por aí atirando paus e pedras. Enfim, que atire a primeira gramática quem nunca errou uma concordância ou trocou um X por um S. Errar é humano. E tudo que é humano merece tolerância, simpatia e, quando necessária, essa virtude que é mais difícil e, por isso mesmo, a mais grandiosa: compaixão.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
Deixe o seu comentário