As mães têm sempre razão

quarta-feira, 07 de março de 2018

Eu, se fosse médico, consultava a mãe do paciente antes de tomar qualquer decisão

As mães têm sempre razão. Para não exagerar, porque toda generalização é perigosa, direi que as mães têm razão em 99,9% das vezes. Pelas minhas contas, qualquer mãe tem que dar 10.000 opiniões para errar uma. Melhor que isso, só Deus, que nunca erra. Verdade que criou o homem, mas se redimiu, criando a mulher logo em seguida. Parece que consta das Escrituras que, tendo feito Adão, Deus olhou bem e falou: “Eu posso fazer coisa melhor”. Então criou Eva.

Um exemplo, só para exemplificar: Uma senhora levou a filha a um conceituado médico de nossa cidade e sugeriu que a moça estava com o mesmo problema que ela, mãe, havia tido quando jovem. Dizem que 10% dos juízes pensam que são Deus. Os outros 90% têm certeza. Parece que com os médicos não é muito diferente, e tanto que esse desfez do diagnóstico materno, pontificando que toda mãe apresenta essa mania doentia de querer saber, mais dos que os doutores, do que os filhos padecem. Deu outra definição para o caso, rabiscou uma receita e mandou as duas para casa. Dois dias depois internou a moça, exatamente com o problema que a mãe havia sugerido. Eu, se fosse médico, consultava a mãe do paciente antes de tomar qualquer decisão, porque a ciência, por melhor que seja, nunca alcança 99,9% de acerto, coisa que coração de mãe faz sem precisar de vade mecum.

Estou puxando esse assunto porque ultimamente ando me lembrando de coisas que minha mãe dizia. Não que ela vivesse fazendo citações. Ao contrário, ela era de pouca conversa, mais de calar do que de falar. E tinha o dom de poupar os filhos de longos sermões, sintetizando em poucas palavras o que outras transformariam numa infindável catilinária.

Quando reclamávamos de algum acontecimento que nos parecia injusto, ela sentenciava: “Deus sabe o que faz, a gente não sabe o que fala”. Grande verdade! Se ouvíssemos mais a voz de Deus e falássemos menos, com certeza nossas burradas e consequentes sofrimentos seriam bem menores. “Quando a cabeça não pensa, o corpo é que paga”, ponderava ela, se atitudes erradas resultassem em sofrimentos físicos, tais como ficar doente, engordar ou emagrecer demais, ferir-se, ou mesmo morrer. De alguém que colocava no prato mais do que podia comer, dizia que o guloso pretendia “Comer com os olhos”, ou que tinha “O olho maior que a barriga”.

Na verdade, era um tempo de sínteses definitivas. Bares e armazéns  abriam todos os dias com a mesma tabuleta pendurada na parede: “Fiado só amanhã”. E, embora fosse comum a existência de um prego em que as dívidas dos fregueses eram penduradas, o fiado sempre foi mal visto. Não era incomum que vários estabelecimentos ostentassem um cartaz em que duas famílias ficavam lado a lado, separadas por dois fios de tinta: um azul e outro vermelho. No lado azul, numa sala luxuosa, um comerciante rico e saudável, cercado de lindos filhos e linda esposa. No vermelho, seu colega esquelético, sentado numa cadeira capenga, a mulher esfarrapada, segurando nos braços uma criança desnutrida, enquanto duas outras olham para a clientela com olhos de fome. Embaixo de cada figura, a legenda completava a obra de arte: “Este vendeu a dinheiro. Este vendeu fiado”.

E vou parando por aqui, porque já falei demais, e mamãe sempre dizia que “A palavra é de prata e o silêncio, de ouro”. Em todo caso, espero não ter gasto toda essa prata sem dizer ao menos alguma coisa que se aproveitasse.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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