Lições de etimologia – incertas e inúteis

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

E ainda tem gente que acha bonito ser esnobe!

A origem mais provável da palavra forró, segundo os pesquisadores mais cuidadosos, é forbodó, do francês faux bourdon, isso é, canto monótono. Daí, forrobodó e, depois, forró. Mas o povinho, que além de inventar palavras inventa explicações para elas, cismou que o pai dessa criança é o inglês for all.

Do inglês mesmo parece ter vindo a palavra xepa. Consta que marinheiros americanos vendiam bugigangas estrangeiras no porto do Rio e usavam o dinheiro assim obtido para usar as mulheres nacionais daquela antiquíssima profissão. Para anunciar suas mercadorias, saíam gritando “cheep!, cheep!”, que lá na língua dele quer dizer barato. Mas o que entrava cheep pelos ouvidos dos cariocas saía-lhes xepa pela boca.

Em latim, vidua era a mulher que permanecia solteira, após a morte do marido.  Em português, virou viúva. Certa amiga de minha avó tinha enterrado três maridos e o quarto já curtia uma tosse de além-túmulo. Interrogada sobre tamanha capacidade para descobrir novo amor cada vez que o anterior voava para o céu, respondia com um antigo ditado: “Viúvo é quem morre!”

Sadismo, todo mundo sabe, deriva do Marquês de Sade, para quem castigos físicos entre os parceiros aumentava o prazer. Tem gosto pra tudo neste mundo. Vejam o tal Sacher-Masoch, de onde vem masoquismo. Esse pensava diferente: apanhar é que é o máximo! Tivessem se conhecido, formariam um par perfeito. Um gritando de prazer ao bater e outro gritando de prazer ao apanhar.

Rival veio de rivale (ribeirinho). Rivais eram dois sujeitos que usavam o mesmo rio, vivendo em lados opostos. Pelo que se deduz do significado atual da palavra, essa vizinhança não era das mais amistosas. É como no futebol – os jogadores costumam esquecer que amistoso e amigo são palavras irmãs, e tome chute nas canelas. Na longa história do futebol, nunca houve jogo amistoso entre Brasil e Argentina.

A ser verdade o que ouvi de um douto professor, restaurante é uma palavra quase evangélica. Um comerciante francês abriu um estabelecimento que servia refeições e, plagiando São Mateus, escreveu na entrada: “vinde a mim todos os que sofreis do estômago e eu vos restaurarei”. De restaurarei para restaurante foi um pulo, ou melhor, uma garfada. (O evangelista escreveu: Vinde a mim todos que estais fatigados e sobrecarregados e eu vos aliviarei”).

De polys, muito, e gamos, casamento, surgiu poligamia. Certos senhores são a favor da poligamia masculina e, por uma questão de moral, contra a poligamia feminina. Mas a ideia encontra forte oposição na própria moral, na religião, na lei e, sobretudo, e com justa razão, nas mulheres.

Cícero, notável orador romano, era de origem humilde. Um senador da nobreza lhe disse: “Tu és plebeu!”, e ouviu em resposta: “Sim, mas a dignidade da minha família começa em mim, e a da tua acaba em ti”.  Plebeu deriva de plebis, ou seja, povão. O que faz lembrar a palavra esnobe. No curto período em que a Inglaterra foi república, os plebeus ganharam o direito de se matricular nas universidades. Mas em suas fichas era escrito s. nob., quer dizer, sem nobreza. E ainda tem gente que acha bonito ser esnobe!

Absurdo, que não parece, mas é irmã de surdez, vem de absurdu,  aquilo que incomodava o ouvido. Passou a designar tudo que contrariasse o bom senso. Mas, para argumentar que a fé se explica pela crença e não pela comprovação, Tertuliano afirmou: “Creio porque é absurdo”. Portanto, a fé ou é absurda, ou não existe.

E para que nenhum leitor desavisado veja nessas mal digitadas linhas sinais de erudição do cronista, informo que apenas me aproveitei de minhas leituras pouco científicas, e que não me responsabilizo por nada do que está escrito. Pois também para esta crônica vale a lição de Lavoisier: “Na natureza nada se cria, tudo se copia”.  

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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