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Honestidade brasileira
Se roubou, foi por lá. Aqui, no entanto, ele não cometeu nenhum crime
Sendo o Brasil, como de fato é, o país mais honesto do mundo, causou-me grande revolta saber que organismos internacionais colocaram a Finlândia em primeiro lugar e nos jogaram lá para o fim da lista, disputando a lanterna com o que há de mais atrasado neste mundo de Deus. Estou convencido de que os finlandeses pagaram propina aos avaliadores e assim conseguiram inverter as classificações. Não tem outra explicação. E fizeram isso por inveja, uma vez que não possuem cidadãos com a superior estatura moral dos nossos políticos e empresários.
Para avaliar a que ponto elevado chegaram em nossa pátria amada a moral, a ética e os bons costumes políticos, basta ver que todos, todos, todos os quase 300 acusados na Operação Lava Jato se declararam inocentes. Ora, se sobre esses senhores, contra os quais pesam as mais pesadas e documentadas acusações, se dizem inocentes (e não temos por que duvidar da palavra deles!), quem no Brasil poderia ser desonesto?
Não quero citar nomes, porque é até difícil escolher algum nessa plêiade de homens probos que nos governam. Tem, por exemplo, aquele senhor lá de São Paulo, pelo qual a Justiça de 118 países anda procurando. Se roubou, foi por lá. Aqui, no entanto, ele não cometeu nenhum crime, tanto que nunca foi condenado. Com razão, ele se diz “o maior ficha limpa do Brasil”. Circula por aí com o mesmo ar de inocência que ostenta desde criancinha. Mas, se por descuido, desembarcar em algum aeroporto estrangeiro, vai direto para a cadeia. Pura perseguição.
Mas também não vamos ao exagero de dizer que nunca entre nós se comete algum roubinho, coisa pouca que seja. Mas, nesses casos, e para que o mal não cresça, a Justiça age rápido e com rigor. Uma estranha coincidência ilustra o fato. O já citado senhor paulista, com certeza vítima de alguma calúnia, certa vez passou um ou dois dias na cadeia. Na mesma ocasião, estava presa uma mulher grávida que havia, horror dos horrores!, roubado um pacote de biscoito no supermercado. Por uma fatalidade, dessas que descem do além, como diria nosso amigo Castro Alves, ambos são soltos no mesmo dia e hora.
A televisão mostra Sua Excelência sendo liberado e recebido por jornalistas, correligionários, amigos, admiradores e puxa-sacos em geral. Sob aplausos e flashes, entra no carro que o espera e sai acenando para a multidão. No bloco seguinte, sem atentar para a semelhança entre os dois episódios, a mesma emissora mostra a pobre ladra do supermercado sendo conduzida ao fórum. Mas, por falta de combustível no veículo da delegacia, lá vai a grávida, algemada, a pé, arrastada aos trancos e barrancos por um policial.
Na Finlândia, dirão que está tudo errado, que a grávida devia ter carro que a levasse e o político, algemas que o prendessem. Mas já sabemos que os finlandeses não entendem nada de Justiça, tanto que se consideram mais honestos do que nós.
Enfim, esse negócio de pesquisa não merece mesmo muita confiança. Basta lembrar a votação feita via internet para escolher o melhor jogador de futebol de todos os tempos. Pelé ganhou no mundo inteiro, exceto na Argentina, onde deu Maradona disparado na frente, contando com o voto tanto do Papa João Paulo II quanto do líder palestino Yasser Arafat. Bill Clinton votou duas vezes, e o mesmo fez a Madre Tereza de Calcutá, embora já falecida. Sem querer colocar em dúvida a lisura da pesquisa, apenas acrescentarei que, por acaso, a apuração foi feita pelos próprios portenhos, na sua mui bela cidade de Buenos Aires.
Sejamos honestos: podemos até ser os campeões, mas não somos os únicos corruptos do mundo.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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