Histórias que li por aí

quarta-feira, 12 de abril de 2017

“Pra se entender/Tem que se achar/Que a vida não é só isso que se vê/ É um pouco mais/Que os olhos não conseguem perceber/ e as mãos não ousam tocar...” (Sei lá, Mangueira - Hermínio Belo de Carvalho e Paulinho da Viola)

Um menino, que mora longe do litoral, é levado pelo pai para conhecer o mar. Quando chega à praia, diante daquela grandeza, diante de tanta beleza,  consegue dizer apenas:

- Pai, me ensina a olhar!

Sinceramente nos esforçamos para transmitir às novas gerações nossos conhecimentos, nossos valores, nossas experiências. No entanto, com frequência nos esquecemos de ensinar essa coisa tão simples e tão essencial: aprender a olhar, a ver a eterna novidade do mundo com olhos de admiração, espanto e encantamento.

As árvores florescem, as crianças crescem, o sol surge, nuvens desenham figuras no céu, e por tudo passamos indiferentes, sem notar, sem enxergar. Muito ocupados, muito apressados. Falta-nos tempo para verdadeiramente sentir a realidade, para ir além das aparências. Passamos ausentes, comemos indiferentes, e não sabemos como são as pessoas, que gosto têm os alimentos, que gosto tem a vida.

Para não sermos neste mundo apenas passantes despercebidos e desapercebidos, precisamos nos espantar como as crianças diante das coisas que nunca viram. Aprender a olhar, aprender a ver.

*****

A senhora está na fila. À sua frente, de mãos dadas com uma criança, um jovem com roupas extravagantes, cabelos compridos, tatuagens nos braços, piercing na orelha. Do alto dos seus setenta e tantos anos, a idosa se pergunta:

- Qual será o futuro dessa criança, criada por esse tipo de pai?

A fila anda e chega a vez do rapaz. Ele, no entanto, vira-se para trás:

- Por favor, a senhora primeiro.

Surpresa, ela pergunta:

- Quem te ensinou, meu jovem, a ser tão educado?

E ouve a inesperada resposta:

- A senhora, professora, na terceira série primária.

Moral da História: não devemos julgar as pessoas pela aparência, nem nos esquecermos de que tudo que fazemos ou dizemos tem consequências na vida das pessoas, principalmente as crianças que tiveram a sorte ou o azar de estar ao nosso lado neste mundo, ainda que só por um instante. Como disse Drummond: “Pois de tudo fica um pouco/fica um pouco do teu queixo no queixo de tua filha...”.

*****

O menino, pequenininho ainda, se desgarrou dos pais e perdeu-se no meio da plantação. Desesperados, marido e mulher chamaram os outros lavradores para ajudá-los na busca. E todos começaram a percorrer os campos, afobados, apressados, riscando-o em todas as direções, gritando pelo desaparecido. E nessa agitação ficaram longo tempo, sem que o menino fosse localizado. Entardecia e o desânimo foi se abatendo sobre aqueles trabalhadores. Os pais, angustiados, começaram a temer uma cobra, um buraco, as tantas mortes que poderiam roubar-lhes o filho naquele imenso mar dourado.

Então alguém pensou no mais simples: e se todos se dessem as mãos e fossem andando em fila pelo campo, como uma peneira que filtrasse cada mínimo pedaço do terreno?

Passo a passo, foram esquadrinhando a área imensa, até que encontraram a criança, quieta feito um pássaro ferido, assustada feito uma criança perdida.

Se todos os homens do mundo se dessem as mãos...

TAGS:

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.