Fatos e fotos

terça-feira, 19 de abril de 2016

A fotografia, no entanto, nos lembra do que fomos, ou nos faz temer o que seremos

Tem umas fotos aí que, não sei não. Quanto mais o tempo passa, mais feio elas me fazem ficar. Francamente, ando pensando em não mais me deixar fotografar, para que eu não acabe acreditando na triste realidade que as fotos revelam. Nem sempre tive esse problema, guardo uns álbuns antigos que comprovam que já fui mais apresentável.

O que me consola é que o fenômeno não acontece só comigo. Não quero citar nenhum exemplo nacional, não estou a fim de despertar a ira de meus compatriotas. Olhemos para o estrangeiro (embora, nesse caso, talvez melhor fosse desviar o olhar).

 Por exemplo, Brigitte Bardot. O sonho dos garotos dos anos 60, 70 era poder entrar em filme da atrevida BB, todos proibidos para menores de 18 anos. Sei de um que chegou ao extremo de pintar um bigode com o lápis de sobrancelha da mãe e colocar os óculos de grau do pai para parecer mais velho e contemplar na telona do cinema aquela que mais tarde diria “Eu dei minha juventude aos homens”. 

Ora, ele era homem, embora de apenas 15 anos. De óculos e bigode, comprou inteira, empatando nisso a mesada de meses, desculpem a redundância. Se mal passou da bilheteria, a culpa foi do pai, que usava lentes fundo de garrafa. Os incontáveis graus dos óculos paternos impediram que nosso herói visse os degraus que davam entrada para o salão, do que resultou um grande tombo e a descoberta do seu disfarce.

Verdade que Marilyn Monroe, equivalente americana da BB francesa, tinha ousado aparecer nas telas de biquíni, mostrando algumas coisinhas do corpo que enlouquecia desde caminhoneiros em Caruaru a presidentes na Casa Branca. Brigitte mostrava muito mais, era um escândalo para a época, embora hoje pareça muito pudorosa se comparada com o que mostram (e fazem!) as atrizes atuais, mesmo em filmes infantis ou na novela das seis. Resumindo, era o sex symbol daquela época. 

Depois, dia a dia, noite a noite, seus encantos foram se perdendo e quem vê suas fotos atuais tem toda razão em duvidar de que essa senhora outonal tenha sido o sonho pecaminoso dos homens de toda uma geração.

Eu, tirando as fotografias, ou melhor, não tirando fotografias, até que me sinto bem, faço uma boa imagem de mim mesmo. Por isso estou pensando em doravante evitar essa destruidora de ilusões. E esse nem é um comportamento muito original, visto que, quando a máquina fotográfica surgiu, causava medo à maioria das pessoas.  Muitos temiam que ela lhes roubasse a alma.

Mas o ser humano é um bicho que a tudo se acostuma. Não demorou para que as kodaks da vida se generalizassem. Antônio Virgulino, o nosso famoso Lampião, adorava. A tal ponto que chegou a levar consigo um fotógrafo, para registrar suas andanças, sua elegância e as belezas de Maria Bonita. E, se mais não fez foi porque cortaram a sua fotografadíssima cabeça. A qual, aliás, mesmo separada do resto do corpo, continuou posando, agora para os flashes da imprensa e do governo, que com isso provava o que pretendia ser a vitória do bem sobre o mal.

Pois o tempo tudo transforma e, hoje em dia, aquele que foi o grande bandido do sertão virou boneco heróico em todas as lojas e feiras de artesanato do nordeste brasileiro. Lampião, Maria Bonita e seu bando podem ser encontrados em forma de chaveiro, enfeite de geladeira e relógio de parede. Já vi um bar chamado Al Capone. Se duvidar, existe até algum orfanato chamado Adolf Hitler. A memória é curta e tudo esquece e perdoa.

A fotografia, no entanto, nos lembra do que fomos, ou nos faz temer o que seremos. Vejam Brigitte Bardot. Ou melhor, não vejam. Esqueçam. E, por favor, não me fotografem mais.

TAGS:

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.