Fantasmas funcionários, funcionários fantasmas

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Fiquei sabendo que o presidente da nossa Assembleia Legislativa triplicou o salário de uma funcionária fantasma. A imprensa deu pouca atenção ao assunto, visto que o fato é mais ou menos corriqueiro. Mas o título de certa matéria tinha um ar galhofeiro que não achei adequado.

Porque, veja bem, não é fácil ser funcionário fantasma. Imagine que você mora em Trembembé do Norte, que fica no Piauí, e é assessor de gabinete do seu tio, que é deputado no Rio de Janeiro. Está visto que não dá para você comparecer ao seu local de trabalho. Isso te deixa sujeito às críticas dos que acham que tudo na política é corrupção, nepotismo, roubalheira? Você se submeteria a um desgaste desses pela merreca de um salário de assessor? Claro que não. De modo que o seu tio, a bem da justiça, manda triplicar os seus vencimentos.

 E há que se fazer uma distinção entre fantasma funcionário e funcionário fantasma. O primeiro costuma se fazer presente para trabalhar, segundo a crença de muitas pessoas. Se não aparece assim de terno e gravata, em pessoa, ao menos solta a voz, projeta a sombra na parede, arrasta uma mesa. Enfim, dá conta da tarefa para a qual foi invocado.

Já o segundo, o funcionário fantasma, esse enfrentaria dificuldades bem mais materiais se tentasse assumir as funções que o diário oficial, esse conto da carochinha, lhe atribui. No caso presente, a funcionária teria que pegar o ônibus de Trembembé a Teresina, viagem que acha muito cansativa, depois entrar num avião, do qual tem medo, e, já no Rio, enfrentar o calor, trânsito, os bandidos. Não paga pena, como diria Jeca Tatu. Já basta que todo mês tenha que ir ao banco (em Trembembé mesmo), para sacar o pagamento.

Outra coisa a considerar: que sabemos nós dos serviços que essa funcionária presta ao deputado que a nomeou, e talvez a outros membros (sem duplo sentido!) daquela Casa Legislativa? Ainda recentemente uma revista andou pesquisando com quantos jogadores de um time europeu certa senhora havia, digamos assim, passado a noite. Cinco já haviam sido identificados, dois dos quais, casados no civil e no religioso. Supõe-se que o objetivo dessa digna dama é conhecer o desempenho atlético de todos os titulares e, se duvidar, do time reserva.

Enfim, triplicou, está bem triplicado, ela deve merecer. E nós, a quem eles chamam de “o povo”, o que temos a fazer é contribuir com nosso trabalho e nossos impostos para que a funcionária em apreço (e que apreço!) continue recebendo direitinho o salário pelo serviço que, honradamente, não presta ao país. Pois seria muito constrangedor para ela, para nossas autoridades e para o povo brasileiro em geral se, ao chegar ao banco, ela soubesse que seu pagamento havia sido suspenso e ouvir do caixa a mais triste das notícias:

— Estão moralizando o Brasil, minha senhora, sinto muito, estão moralizando o Brasil!

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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