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Expressões inadequadas
Tem que ser muito doido para correr atrás de prejuízo.
Posso jurar que, em toda a minha vida, nunca peguei um resfriado. Infelizmente, várias vezes ele me pegou e me maltratou bastante, como é da natureza dos resfriados. O mesmo se diga de outros males que costumam se atracar a nós, frágeis seres humanos. Evito-os o quanto posso e, por isso, pelo menos no meu caso, não é correto dizer, por exemplo, que "peguei uma gripe". Só se eu fosse louco para pegar uma porcaria dessas.
Mas, assim como certas pessoas mais se apegam a quem mais as despreza, assim tais males se comportam comigo. Em geral não lhes dou confiança, sabendo que, quanto mais me preocupar com eles, mais cheios de si eles ficarão. Parece que o mesmo acontece com todos os problemas humanos.
Mas é próprio das doenças nos perseguir, e nada pode tirar-lhes essa característica. É como aquela história do sapo que estava à beira do lago e o escorpião lhe pediu carona para cruzar as águas. Sensatamente, o sapo ponderou que o escorpião podia picá-lo com aquelas garras venenosas, tão logo estivesse montado em suas costas. Ao que este respondeu que não havia sentido naquela desconfiança, pois se ele envenenasse quem o conduzia, certamente ambos morreriam afogados. Diante de argumento tão lógico, o sapo concordou.
Lá pelo meio do lago, no entanto, o escorpião ferrou o sapo. "Você é louco", disse o sapo, "agora vamos morrer os dois: eu, envenenado e você, afogado! Por que você fez isso?" O escorpião, inocentemente, respondeu: “É que eu não posso mudar a minha natureza!" É o mesmo que faz o resfriado. Embora sabendo que vai ser atacado até a morte por injeções, xaropes e comprimidos, nem por isso deixa de vir se hospedar na casa de quem o despreza, mas que, num momento de fraqueza, deixou-se montar por ele.
O que quero dizer é que, para mim, a expressão "pegar um resfriado'' não faz sentido, como sentido não faz "pegar uma gripe". E "tenho uma doença"? Eu se tivesse uma doença, de boa vontade dava de presente para quem a quisesse. Às vezes, fico doente, qual o jeito! Mas é inteiramente contra minha vontade. Os médicos a quem consulto sempre começam a conversa com uma boa notícia: "Você está muito bem". Depois estragam tudo, acrescentando: "Para sua idade".
Mas não reclamo dos males que insistem em conviver comigo. Acho até que Deus não me conhece direito, porque se conhecesse não me premiaria com tantos bens nesta vida, dentre eles uma boa saúde. Bens imateriais, claro, que dos materiais ando bastante necessitado. Quando tiro o extrato no caixa eletrônico (único lugar do mundo onde a palavra caixa é masculina), sinto que a máquina me olha com desprezo.
E a situação não é pior porque "correr atrás do prejuízo" é outra coisa que eu não faço. Tem que ser muito doido para correr atrás de prejuízo. Como essa é uma das pragas que mais espontaneamente nos perseguem, o que devemos fazer é correr na frente dela, para que ela nunca nos alcance.
E se algum fôlego nos restar da luta diária para fugir do saldo negativo, do déficit, da inadimplência e de outros da mesma laia, a atitude mais sensata é correr atrás do lucro, ou pelo menos do equilíbrio fiscal, para usar uma expressão muito em moda. Para mim, já está muito bom quando o mês termina em zero a zero.
Mas há casos em que até correr atrás do prejuízo dá lucro. Na Petrobras, por exemplo, políticos e funcionários correram durante anos atrás do prejuízo para a empresa, uma vez que quanto mais ela perdia, mais eles ganhavam. Agora, o que todos os brasileiros esperam é que eles peguem uma boa temporada de cadeia ou, melhor dizendo, que uma boa temporada de cadeia os pegue.
Melhor esperar sentado.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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