Explicação científica para a queda de cabelo

terça-feira, 25 de abril de 2017

Veja os alemão da fábrica. Tudo arrumado, tudo de terno, tudo careca

Talvez Pauloca tivesse razão. Lembro-me de que, na nossa longínqua infância, ele tentava me explicar porque umas pessoas ficavam carecas e outras não. Hoje compreendo a razão do seu empenho em me esclarecer sobre tão relevante assunto: mesmo no meio da molecada pouco dada a banhos, seus cabelos se destacavam pela sujeira. Xampu era a maravilha cosmética da qual ainda nem ouvíramos falar, mas o sabão em barra já era nosso conhecido, até mesmo o luxuoso sabão de coco não era de todo ausente em nossas casas. Então, por que Pauloca se recusava a lavar os cabelos, ou, como então se dizia, lavar a cabeça? Pra que toda aquela gritaria quando a mãe, às vezes por meio de maternais palavras, às vezes por meio de de pescoções, enfiava a cara do filho na bacia de água fria?

De vez em quando me lembro desse meu amigo. Sobretudo quando me olho no espelho e ouço uma voz cavernosa me perguntando aonde foram parar os cabelos que outrora, negros e muitos, coroavam minha cabeça. E eu lá sei! O que sei é que, de repente, comecei a notar que a testa aumentava, dia após dia. A princípio julguei que o fenômeno fosse causado pela inteligência que, crescendo, buscava mais espaço para se expandir. Mas o passar do tempo me obrigou a concluir que, se algo crescia dentro de minha cachola, só podia ser ignorância e maus pensamentos. Assim, fui obrigado a reconhecer que se abatera sobre mim a fatalidade genética conhecida pelo triste nome de alopecia.

Foi então que os argumentos de Pauloca, dos quais na época eu duvidava, começaram a me parecer bastante razoáveis.

- Teu pai lava a cabeça todo dia? – perguntava ele.

E como eu, a bem da verdade, admitisse que não, lá vinha uma nova pergunta:

- E teu pai é careca?

Mais uma vez eu era obrigado a dizer que não, para triunfo e glória de Pauloca:

- Então! Tá provado: lavar a cabeça todo dia faz o cabelo cair. Veja os alemão da fábrica. Tudo arrumado, tudo de terno, tudo careca. Por quê, pergunto eu. Por que a alemãozada é toda careca? Rico é que tem essa mania de lavar a cabeça todo dia, tem vez que até põe perfume. Resultado: a careca vem que vem danada.

- Mas seu Gunte...

- Peruca! O pai de Zequinha é careca? Seu João Carroceiro é careca? Trajano da Quitanda é careca? Nada de nadinha, e vê se eles vivem com a cabeça embaixo do chuveiro! Meu tio Zecartur, inimigo número um do banho diário, não tinha um tostão no bolso, mas cabelo na cabeça era o que não faltava! Tanto que minha tia, depois que ele fugiu de casa, vive olhando pro teto e choromingando, com olhos d’água: “Que falta que sinto dos cabelos dele na minha cama!” As vizinhas cochicham que não é bem dos cabelos que ela sente falta na cama, mas essa parte da conversa eu nunca entendi direito.

Embora já tendo provado cabalmente sua teoria, meu amigo ainda se valia de Bíblia para dar o assunto por definitivamente encerrado, arrasando qualquer argumento que se pudesse levantar em contrário.

- Tem até uma história na Bíblia. Um cara chamado Sãossão era o malandrão do lugar, metia a braço em todo mundo, batia nos inimigos até com um pedaço de cabeça de cavalo. Mas não tem um lugarzinho na Bíblia falando que ele lavava a cabeleira. Pois foi só se casar e a mulher começou a jogar água e passar óleo no cabelo dele. Aí, ó, o tal Sãossão foi carecando e, quando viu, tava fracote que parecia uma rolinha no alçapão. Eu é que não quero ficar careca. Água, do pescoço pra baixo, e só de vez em quando!

E é por causa do Pauloca que às vezes me vejo contemplando o chuveiro aberto e me perguntando: lavo ou não lavo os cabelos que, embora brancos, ainda me restam?

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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