El Matador

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

O comentário começara na modesta repartição, talvez já circulasse nas altas esferas do governo municipal

A fama da gente corre. Se for má fama, então!, aí mesmo é que o pessoal bota a boca no mundo, aplicando, da pior maneira possível, o ensinamento de Jesus: “O que se vos diz ao ouvido, pregai-o do alto dos telhados” (Mt 10,27). Sim, se você quer ficar famoso, ainda que mal falado, faça alguma besteira e logo, logo, seu nome estará percorrendo bares, lares e mares. Até já me falaram de um sujeito que pretendia se candidatar a um cargo público e, ao ser questionado sobre de onde viriam seus votos, explicou que, desde que dera um tiro num desafeto, ficara famoso em toda a cidade e que contava eleger-se graças ao prestígio decorrente desse ato heróico.

É só observar a política brasileira. Quanto mais o cara rouba, legisla em causa própria e nomeia parentes e puxa-sacos, mais votado ele é na eleição seguinte. Lembram-se do slogan “Falem mal, mas falem do cinema nacional”? O mesmo é válido para quase tudo nesta vida e, se você pretende ficar conhecido a ponto de tornar-se alguém importante, reze para que falem mal, mas falem de você. Pesquisas científicas provam que cada insulto dos adversários rende dez votos dos admiradores.

Antes de continuar a conversa, devo dizer que não pretendo tornar-me uma celebridade praticando qualquer ato contrário à lei, à moral e aos bons costumes. Essa explicação é necessária para tratarmos adequadamente do assunto que vem a seguir.

Uma repartição pública próxima à minha casa havia se tornado um verdadeiro canil. Cães passeavam, dormiam, comiam e faziam ali tudo mais que os cachorros costumam fazer sem se importar com quem está olhando. Durante o dia, importunavam os usuários da dita repartição, à noite, corriam atrás dos carros que ousassem passar por perto, latiam para a lua ou, na falta desta, para alguma nuvem mais carregada.

Tendo observado que nas repartições particulares semelhantes os cães não recebiam tão caloroso abrigo, antes, eram enxotados, caso se aproximassem da calçada, ousei sugerir às autoridades que acabassem com aquele albergue canino. Não disse “autoridades responsáveis”, porque algumas pessoas acham que essa expressão é um pleonasmo e outras, que é uma piada. Seja como for, o fato é que não me deram confiança nenhuma, até que eu escrevesse para o jornal. Aí, passado um tempinho, os cães começaram a sumir.

Segundo me confidenciaram depois, para tanto bastou que um funcionário parasse de recolher pelanca e ossos num açougue próximo para que toda a cachorrada fosse procurar outra residência. Porém o mal já estava feito. Sou dessas pessoas incapazes de matar uma barata e, se por acaso, piso numa delas, fico com a consciência ainda mais pesada que de costume. Se uma mariposa entra em casa e as mulheres começam a me pedir socorro, rezo para que a bichinha saia por uma janela antes que eu a alcance com a vassoura. E nem é por virtude, antes fosse! É bem possível (que as mulheres não me ouçam) que eu também tenha medo e nojo desses insetos.

Pois bem, mal o silêncio noturno voltara ao bairro, e veio um amigo me dizer que havia pessoas comentando que eu era um exterminador de cachorros, responsável pelo desaparecimento de muitos deles, de tal forma que em breve teríamos uma cidade sem latidos. O comentário começara na modesta repartição, talvez já circulasse nas altas esferas do governo municipal. E assim se criou a minha fama de matador, a qual, felizmente, em pouco tempo caiu no esquecimento, graças à multidão de cachorros que circulam pela cidade, provando que, se eu tentei mesmo liquidar a espécie, fui muito incompetente.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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