É coisa pública!

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Tem um deputado por aí que saiu diretamente da cadeia para a presidência da assembleia estadual

Eu acho que nossos políticos e administradores são muito injustiçados. Há poucos dias, a Polícia Federal e o Ministério Público anteciparam em 15 dias uma operação só para impedir que um cidadão que pretendiam meter na cadeia fosse nomeado para o Tribunal de Contas do Estado. Trata-se de um brasileiro que dedica sua vida ao bem do povo, num trabalho que a Senhora Ministra da Igualdade, em síntese tão feliz, classificou de “trabalho escravo”. Essa digníssima autoridade, como se viu e ouviu pela imprensa, indignou-se porque lhe foi negado o direito de juntar os vencimentos de promotora com os de ministra, o que lhe renderia um mínimo salário mínimo de sessenta e um mil e uns trocados. Obrigada a sujeitar-se a pouco mais de trinta e sete mil, perguntou como poderia “comer, beber e calçar” com tão ínfima quantia.

Sim até mesmo as autoridades precisam comer, de preferência em restaurantes de Paris, com guardanapos amarrados na cabeça, como ensinou aquele nosso saudoso governador. Sim, precisam beber, de preferência vinhos das melhores safras das melhores regiões produtoras do mundo. Sim, precisam calçar-se, de preferência tendo tantos calçados quantos teria uma centopeia, se acaso as centopeias usassem sapatos.

Impediram o homem de ser ministro do Tribunal de Contas. Feitas as contas, somos forçados a concluir que agiram muito mal. Porque um funcionário desse naipe, capaz de enriquecer tanto em tão pouco tempo, é um extraordinário talento para lidar com dinheiro. Habilíssimo, habilitadíssimo, portanto, para analisar as contas dos que, como ele, se dedicam ao “trabalho escravo”, em benefício da população.  Que o dinheiro seja roubado do povo, e que ele, distraído em seus múltiplos afazeres (trabalho escravo!) não percebesse a roubalheira e deixasse passar, são coisas que acontecem, não vamos por isso acusá-lo de desonestidade.

Verdade que às vezes ocorrem exageros.  Tem um deputado por aí que saiu diretamente da cadeia para a presidência da assembleia estadual. É mais um a submeter-se voluntariamente à escravidão. E assim se sacrifica tão somente para que os seus conterrâneos, que já viviam tão bem com ele atrás das grades, possam viver ainda melhor agora, estando ele livre, leve e solto para presidir o legislativo de sua amada terra. A palavra senador é, letra por letra, anagrama de desonra. Mas isso é mera coincidência ortográfica.

Mas não vamos nos meter em política, já que somos uns analfabetos, nada entendemos das elevadas decisões das nossas não menos elevadas autoridades. Não nos preocupemos, que o Brasil é tão rico que podem roubar à vontade, como de fato têm roubado, e nem por isso iremos à falência. Como afirmou um dos nossos mais competentes governantes, estávamos à beira do abismo, mas, graças ao seu governo, demos um passo à frente.

Há muito se diz que o Brasil é o país do amanhã. Para azar nosso, amanhã é sempre feriado. Então, deixemos como está. Falemos de amenidades. Falemos da Proclamação da República, por exemplo. Entre dez brasileiros, nove e meio não sabem a razão desse feriado, mas, sendo feriado, ninguém quer mesmo saber, se a gente perguntar muito é capaz de nos tirarem essa folga. Deixemos tudo a cargo dos homens honrados que nos governam. Eles sabem muito bem que república quer dizer coisa pública e, então, sendo pública, todo mundo pode meter a mão. É o que eles vêm fazendo, sem cometer com isso nenhum crime, apenas se apoiando na verdadeira significação da palavra. São, como se vê, verdadeiramente homens (e mulheres) de palavra.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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