Datas e mais datas

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Temos a feliz oportunidade de celebrar muitas outras datas memoráveis

Comemorou-se na semana passada o Dia do Solteiro, o que me fez lembrar da piada masculina segundo a qual ser casado é a quarta melhor forma de vida que um homem pode ter. As três primeiras são solteiro, viúvo e falecido. Ainda bem que as mulheres não levam a sério as tolices que os homens dizem, sabedoras de que sem elas os maridos são pouco mais do que bezerros tresmalhados, incapazes de achar as meias que estão na gaveta, onde, aliás, sempre estiveram. Se bem que eu desconfio de que elas escondem as coisas, para depois nos humilharem, encontrando na hora o que há horas estávamos procurando. 

Sabemos que, no Brasil, as leis são como resfriados: algumas pegam, outras, não.  O mesmo acontece com as datas comemorativas. O Dia da Criança pegou, mas, não teve o efeito desejado pelo seu criador, Galdino do Valle Filho. Era para ser uma oportunidade de as crianças receberem redobrada atenção das famílias e dos governos, mas ficou reduzido a pouco mais do que um passeio de trenzinho promovido pelas escolas. O Dia dos Pais também sobreviveu como data importante, mas sem a dimensão do Dia das Mães, os comerciantes que o digam.

Aliás, essa é uma história interessante.  A americana Ann Reeves Jarvis dedicou muito de sua vida a ajudar pessoas pobres, em especial crianças e veteranos da Guerra Civil. Terminada a guerra, e desejando unir antigos inimigos, Ann começou a organizar com outras mulheres o que chamou de “Dia da Amizade da Mãe”. Três anos depois de sua morte, a filha, Anne Marie Jarvis, começou a reunir famílias, com o mesmo espírito com que a mãe fazia, na igreja de Garton, sua cidade natal. A intenção era que cada mãe fosse homenageada em seu lar, tanto que o nome original da celebração era Dia da Mãe, e não Dia das Mães. Dez anos depois, o congresso americano oficializou a data.

Mas não demorou para que alguém resolvesse convencer os filhos a comprarem um presentinho para a genitora e aí a coisa desandou, todo mundo se viu na obrigação de fazer o carinho ser acompanhado por um presente. Em muitos casos, o carinho foi esquecido e ficaram apenas sapatos, joias, perfumes e panelas. Tanto que a própria Anne promoveu uma campanha contra o desvirtuamento da celebração, mas a festa já tinha se espalhado pelo mundo, porque, como dizem os jovens, mãe é tudo igual, só muda o endereço. Os mais irônicos até acham que mãe é só uma, porque mais de uma ninguém aguentaria.

Mas não só os solteiros e os pais são lembrados neste mês. Fértil é a imaginação dos nossos legisladores, sempre ocupados em salvar a pátria e enriquecer o povo. Enquanto não é possível salvar a pátria, que é muito grande, nem enriquecer o povo, que tem gente que não acaba mais, vão fazendo o que é possível por enquanto e, por enquanto, o possível é enriquecerem a si mesmos. Mas, quando não estão ocupados com essa gloriosa atividade, disparam a fazer homenagens. Por isso, temos a feliz oportunidade de celebrar muitas outras datas memoráveis.  Em agosto mesmo não faltam exemplos, como o Dia do Tintureiro, embora os próprios tintureiros o ignorem, ocupados que andam em tingir roupas alheias; o Dia da Construção Social, que ninguém sabe o que seja, mas nem por isso haveria de ficar esquecido, e o Dia da Libertação Humana, que deveria ser celebrado junto com o Dia do Juízo Final, o único verdadeiramente inevitável, e o que mais desejamos adiar, por nos sabermos despreparados para evento tão definitivo. E tem ainda o Dia do Salvador do Mundo, que, a julgar pelo nome, deve ser uma antecipação do Natal.

Depois vêm Independência, Finados, República e o Ano Novo, quando tudo recomeçará, sem que nada tenha mudado. Então, continuaremos a carecer de muitas coisas, mas não nos faltarão datas comemorativas. Apesar disso, ando pensando em sugerir aos nossos legisladores que acrescentem uma que infelizmente ainda não lhes ocorreu: O Dia da Data Comemorativa, que tem a vantagem de, englobando todas as outras, tirar muito entulho inútil das costas do cansado ano civil.

TAGS:

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.