Colunas
Conversa na Praça do Suspiro
Ele disse que sim, mas que não era hora de falar nisso. Ela quis saber quando seria a hora, já estavam naquilo há dois anos, quase três. Então ele afrouxou um pouco o abraço, não tanto que ela pudesse fugir, e disse que jurava.
— Por sua mãe?
—Também assim não, mãe é uma só. Juro por Deus.
— Deus também é um só.
— Mas nele nada pega.
— Então é quando?
— Bom, pode decidir você.
— Maio... Adoro maio.
— Puxa, mas já é janeiro, seis de janeiro, maio vem daqui a pouquinho. Tá bom... Vá lá que seja: maio. Que dia?
— Cinco. É o primeiro sábado do mês.
— Por mim tá bom: cinco de maio.
— Ai, meu Deus, já vou começar a procurar o vestido.
— Pra que essa pressa, menina?
— Ué, você mesmo disse: maio é daqui a pouquinho.
— Sim, mas eu não tou pensando nesse maio. Veja bem, você escolheu o dia e o mês. Eu tenho o direito de escolher o ano. Pensei em dois mil e...
— Lá vem você me enrolando do novo. Tira a mão de mim. Deixa minha blusa no lugar. Ai, pra que que eu fui naquele baile. Maldita a hora em que eu te conheci.
— Fala assim não, benzinho. Assim que eu for promovido a gente se casa.
— Você fala isso há um ano. Já me disseram que você até recusou uma promoção.
— Amorzinho, escuta, a melhor coisa que te aconteceu foi me conhecer. Vamos falar de outra coisa.
— Falar de quê? Falar da Marinalva?
— Ih!, Marinalva já era, só existe você em minha vida.
— Então casa.
— Tenha paciência! Assim a conversa não progride.
— Progredir! Progredir! Eu tou é marcando passo com você há três anos.
— Também não exagera: dois anos e oito meses.
— Mas logo no segundo encontro você disse que queria casar comigo. Bem que eu não queria ir pro motel. Bem que eu desconfiava que você tava me enrolando.
— Seja assim não, amor. Olha, por que a gente não vai pra um lugar mais discreto? Aqui fica todo mundo olhando.
— Para de me agarrar desse jeito que ninguém olha mais.
— Benzinho, adoro você, juro! Mas essa tua mania de casamento estraga tudo. Casamento já tá até meio fora de moda.
— Pois eu quero casar. Ponto final. De véu e grinalda. Sem casamento não tem mais.
— Ai, não fala isso comigo não, amor... Tá bom, tá bom, eu caso.
— Jura?
— Juro!
— Por sua mãe?
— Por minha mãe!
— Quer encontrar ela mortinha quando chegar em casa?
— Puxa, também não precisa tanto, precisa? Ou você não confia em mim?
— Até hoje confiei e só me dei mal.
— Eu acho que você se deu bem.
— Mortinha?
— Tá certo: mortinha. Vamos pra um lugar mais discreto.
— Nada disso, vamos ali naquela capela jurar aos pés de Santo Antônio.
— Mas precisa até de testemunha!?
— Pra falar a verdade, nem com Santo Antônio de testemunha eu vou ficar sossegada! Esses homens!
— Essas mulheres!
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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