Conversa na Praça do Suspiro

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Ele disse que sim, mas que não era hora de falar nisso. Ela quis saber quando seria a hora, já estavam naquilo há dois anos, quase três. Então ele afrouxou um pouco o abraço, não tanto que ela pudesse fugir, e disse que jurava.

— Por sua mãe?

—Também assim não, mãe é uma só. Juro por Deus.

— Deus também é um só.

— Mas nele nada pega.

— Então é quando?

— Bom, pode decidir você.

— Maio... Adoro maio.

— Puxa, mas já é janeiro, seis de janeiro, maio vem daqui a pouquinho. Tá bom... Vá lá que seja: maio. Que dia?

— Cinco. É o primeiro sábado do mês.

— Por mim tá bom: cinco de maio.

— Ai, meu Deus, já vou começar a procurar o vestido.

— Pra que essa pressa, menina?

— Ué, você mesmo disse: maio é daqui a pouquinho.

— Sim, mas eu não tou pensando nesse maio. Veja bem, você escolheu o dia e o mês. Eu tenho o direito de escolher o ano. Pensei em dois mil e...

— Lá vem você me enrolando do novo. Tira a mão de mim. Deixa minha blusa no lugar. Ai, pra que que eu fui naquele baile. Maldita a hora em que eu te conheci.

— Fala assim não, benzinho. Assim que eu for promovido a gente se casa.

— Você fala isso há um ano. Já me disseram que você até recusou uma promoção.

— Amorzinho, escuta, a melhor coisa que te aconteceu foi me conhecer. Vamos falar de outra coisa.

— Falar de quê? Falar da Marinalva?

— Ih!, Marinalva já era, só existe você em minha vida.

— Então casa.

— Tenha paciência! Assim a conversa não progride.

— Progredir! Progredir! Eu tou é marcando passo com você há três anos.

— Também não exagera: dois anos e oito meses.

— Mas logo no segundo encontro você disse que queria casar comigo. Bem que eu não queria ir pro motel.  Bem que eu desconfiava que você tava me enrolando.

— Seja assim não, amor. Olha, por que a gente não vai pra um lugar mais discreto? Aqui fica todo mundo olhando.

— Para de me agarrar desse jeito que ninguém olha mais.

— Benzinho, adoro você, juro!  Mas essa tua mania de casamento estraga tudo. Casamento já tá até meio fora de moda.

— Pois eu quero casar. Ponto final. De véu e grinalda. Sem casamento não tem mais.

— Ai, não fala isso comigo não, amor... Tá bom, tá bom, eu caso.

— Jura?

— Juro!

— Por sua mãe?

— Por minha mãe!

— Quer encontrar ela mortinha quando chegar em casa?

— Puxa, também não precisa tanto, precisa? Ou você não confia em mim?

— Até hoje confiei e só me dei mal.

— Eu acho que você se deu bem.

— Mortinha?

— Tá certo: mortinha. Vamos pra um lugar mais discreto.

— Nada disso, vamos ali naquela capela jurar aos pés de Santo Antônio.

— Mas precisa até de testemunha!?

— Pra falar a verdade, nem com Santo Antônio de testemunha eu vou ficar sossegada! Esses homens!

— Essas mulheres!

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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